Pesquisadores do IAU reciclam sobras de plástico para construção de mobiliário escolar

Pesquisa recebeu financiamento de R$200mil

Já se tornou lugar comum dizer que o uso desenfreado do plástico tem sido uma ameaça constante ao planeta. Além de estar massivamente presente em nosso cotidiano, o tempo de sua decomposição é expressivo (cerca de 400 anos), sendo que, desde 1950, 8,3 bilhões de toneladas de plástico já foram produzidas no mundo*.

Se, por um lado, já temos plena consciência de que algo precisa ser feito, por outro, poucas soluções têm sido apresentadas para lidar com o problema, e uma delas vem sendo desenvolvida no Laboratório de Construção Civil do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (LCC- IAU/USP), coordenada pelo docente Javier Mazariegos Pablos.

Lixo de uns, tesouro de outros

No que se refere ao comportamento frente à temperatura, existem dois tipos de polímeros (plásticos): os “termoplásticos” que, ao serem aquecidos, tornam-se maleáveis e, portanto, podem ser reutilizados. Já os polímeros “termofixos”, mesmo aquecidos, não são maleáveis e, portanto, não reutilizáveis.

Em vez de tornar os polímeros termofixos um “fardo” para a natureza, Javier, dois alunos de doutorado do IAU/USP, Victor José dos Santos Baldan e Gustavo Ribeiro Palma, e um arquiteto e ex-aluno também do IAU/USP, Everton Randal Gavino, diante da impossibilidade de reutilizar esse tipo de plástico, decidiram recicla-lo, e de uma maneira bastante nobre: construindo mobiliários escolares.

A matéria-prima vem de uma indústria calçadista de Nova Hamburgo, que utiliza polímeros termofixos para produção de saltos de sapatos, rodas de skate, entre outras coisas. E é justamente com as sobras desses materiais que os pesquisadores trabalham. “As indústrias não sabem o que fazer com essas sobras, e mandam tudo para os aterros sanitários”, conta Javier.

Durante seu mestrado, Victor fez a caracterização completa desse material, verificando que se trata de um isolante térmico, isolante elétrico e antichamas, características que o tornam excelente para utilização na construção civil. ‘Durante o desenvolvimento da minha pesquisa de Mestrado, observei que o material desenvolvido apresentava excelente resistência mecânica, fator preponderante quando estudamos materiais aplicados à construção civil”, relembra Victor. ”A partir disso, criei uma metodologia que previa a caracterização completa do material, visando sua aplicação pelo setor de construção civil, por meio dos ensaios de condutividade térmica e elétrica e de flamabilidade. A descoberta de que o material é antichamas foi de fundamental importância, o que garante a sua ampla aplicação, tendo em vista os acidentes recentes relacionados à proteção e combate a incêndios”, completa Victor.

À esquerda, enrolado, resíduo da poliuretana termofixa; ao centro, poliuretana transformada em grãos;
à direita, poliuretana já prensada e pronta para uso (créditos: Victor Baldan)

Entretanto, a “fórmula certa” para reciclagem do material consistiu em encontrar a granulometria (tamanho do grão) ideal. Neste caso, duas granulometrias diferentes. “Misturar metade de grãos finos com metade de grãos grossos foi a solução, pois os grãos maiores sempre deixam vazios, que, por sua vez, são preenchidos pelos menores”, explica Javier.

Na mistura dos grãos, foi feita a adição de resina de mamona, prensada em uma prensa térmica por 15 minutos, a uma temperatura de 50ºC, com força de cinco toneladas. Mas a rigidez do material ainda deixava a desejar, e foi então que veio a “cereja do bolo”: colocar entre duas camadas do material uma manta de fibra de vidro. “O resíduo de poliuretana termofixa utilizado na pesquisa não era de dureza muito alta, por isso, o material confeccionado apresentava flexibilidade. Como a ideia do meu projeto de Mestrado era aplicar o material desenvolvido como elemento de construção civil, a partir de algumas observações em laboratório, resolvi incorporar a manta de fibra de vidro à mistura dos grãos e à resina de mamona, o que aumentou a rigidez e resistência mecânica do material em cerca de 50%”, ressalta Victor.

Diversas possibilidades de uso

O material, cujo nome técnico é compósito de poliuretana termofixa reciclada, está em processo de patenteamento. Já o projeto de confecção de mobiliários escolares foi submetido à FAPESP, tendo sido aprovado como Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE)**, e recebido uma verba de cerca de R$ 200 mil. “A ideia é fazer pranchetas, cadeiras, estantes etc.”, conta Javier.

Inclusive, os pesquisadores envolvidos no PIPE foram convidados pela FAPESP a visitar o Salão Internacional do Design em Milão (Itália) durante os dias 9 e 14 de abril de 2019.

Entretanto, por apresentar tantas características promissoras, o compósito oferece infinitas possibilidades de uso, entre elas como forro e como paredes em sistemas de steel frame (gaiola de aço, na tradução para o português), sistemas inovadores que não utilizam água para sua construção, são rápidos de montar e muito leves. “Esses sistemas já são largamente utilizados no Japão e na Europa, mas no Brasil ainda não”, diz Javier.

A metodologia proposta pode ser adaptada a diversos outros materiais que, como os compósitos de poliuretana reciclada, podem ser mais um fardo para o meio ambiente, a exemplo de cápsulas de café. Javier já tem uma aluna de iniciação científica trabalhando com essa possibilidade, mas essa história fica para um próximo texto.

* Fonte: https://g1.globo.com/natureza/noticia/uso-desenfreado-de-plastico-ameaca-oceanos-e-saude-humana.ghtml

** http://www.fapesp.br/pipe/

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