Os desafios do planejamento urbano na construção de hospitais

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Os maiores hospitais públicos do Brasil concentram em seus entornos um elevado número de pessoas vulneráveis física e socialmente, além de apresentarem infraestrutura inadequada do ponto de vista urbanístico e de saneamento. Segundo pesquisadores do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) da USP, em São Carlos, esse tipo de cenário pode acarretar graves problemas, como a proliferação de doenças: “Muitos hospitais atraem aglomerações, algumas delas insalubres, que se instalam nos seus arredores e que vão desde o comércio informal de roupas e alimentos que ocorre na rua até pensões e quartos de aluguéis pouco propícios aos pacientes e seus acompanhantes. Esse ambiente colabora com a disseminação de doenças e em nada contribui para os tratamentos”, afirma Jeferson Tavares, professor do IAU.

Para evitar os equívocos desse tipo de construção, os projetos devem se pautar pelos estudos de impacto de vizinhança, responsáveis por estimar as possíveis consequências que uma intervenção pode gerar em determinada localidade e, caso sejam negativas, prever ações para minimizá-las. De acordo com o docente, no entanto, essa preocupação tem sido ignorada por muitos projetos urbanos que não reconhecem as particularidades e necessidades de cada município. “É preciso reposicionar o papel do hospital nas cidades, pois ele não pode ser concebido como peça autônoma do tecido urbano sendo que faz parte do convívio social. Temos visto a importância desses equipamentos no combate a doenças contagiosas, por exemplo. Urbanistas, sanitaristas, engenheiros, planejadores e gestores públicos têm responsabilidade em compreender a cidade, entre outras funções, como uma infraestrutura de saúde”, esclarece o professor.

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Nesse sentido, o Grupo Práticas de Pesquisa, Ensino, e Extensão em Urbanismo (PExURB) do IAU está desenvolvendo uma série de estudos que visam analisar a relação hospital-cidade. Um deles é o trabalho de iniciação científica da aluna Ana Victoria Silva Gonçalves, que tem como objetivo compreender os motivos que levam alguns hospitais a atraírem um público superior ao que a região onde eles estão inseridos é capaz de comportar. Intitulada “A relação entre planejamento urbano e as concentrações hospitalares”, a pesquisa tem entre seus objetos de estudo o Hospital de Amor, em Barretos (SP), referência nacional no tratamento do câncer.

Em 2018, a entidade de saúde atendeu cerca de 82 mil pacientes e atraiu em seu entorno 172 mil pessoas, número maior que a própria população do município, que conta com aproximadamente 120 mil habitantes. Entre outras razões, a grande circulação pelo local se deve ao elevado número de acompanhantes vindos de diversos estados do Brasil que, muitas vezes, se instalam por longos períodos na cidade a espera do término dos tratamentos. Um problema, no entanto, é que o bairro que abriga a Instituição não oferece condições apropriadas de lazer, saneamento, conforto e trabalho para todos, demonstrando carência de atrativos para atender à demanda de usuários da região.

Feira

Pensando em soluções para o cenário, Ana Victoria se juntou a outros pesquisadores do IAU para elaborar um projeto de Vizinhança Hospitalar que pretende implementar uma série de intervenções inclusivas no bairro Doutor Paulo Prata, onde está situado o Hospital de Amor. Voltado a todos que circulam pela vizinhança da Instituição, em especial os pacientes, acompanhantes, funcionários e comerciantes, o trabalho foi elaborado entre os meses de março e dezembro de 2019. Durante o período, os autores levantaram uma série de dados através de pesquisas bibliográficas e empíricas de textos, estudos e críticas sobre intervenções urbanas e urbanísticas em hospitais. Em uma segunda etapa, foi realizada uma pesquisa de campo junto ao público usuário da região. “A vizinhança do Hospital de Amor apresenta problemas semelhantes aos das cidades médias brasileiras, com excesso de uso do transporte individual, gerando grande tráfego nas ruas e extensas áreas de estacionamento, calçadas com barreiras que dificultam a mobilidade do pedestre, comércios informais e insalubres, ruas cercadas por muros de construções privadas e falta de arborização”, concluem os autores do projeto, coordenado por Tavares e pelo professor Marcel Fantin do IAU.

Praça

O trabalho propôs a instalação de sistemas de corredores verdes e de praças, integrados por uma marquise urbana que privilegia os pedestres, facilitando o deslocamento até pousadas, comércios, pontos de ônibus e demais áreas de interesse. Entre as intervenções sugeridas no projeto, que foi financiado pela Fundação Pio XII, estão o alargamento de calçadas para transformá-las em pequenas praças; a construção de calçadões nas avenidas Ranulfo Prata e do Ébano; a qualificação da praça existente no bairro com a incorporação de redários, mobiliário urbano e espaço para eventos culturais; a criação de um parque no entorno do Hospital com áreas de esportes e lazer, museu, pista de caminhada e marquise, além da implantação de uma praça coberta para a realização de feiras permanentes, com o objetivo de relocar e regularizar o comércio informal existente no bairro.

Os especialistas também sugeriram a criação de áreas de preservação ambiental ao redor dos cursos d’água que passam pelo local de forma que elas sejam integradas aos sistemas de espaços públicos urbanos e de mobilidade. A ideia é que toda essa infraestrutura contribua com a renovação do ciclo hidrológico e a qualificação das bacias hidrográficas dos rios Pardo e Grande, além de proporcionar, no médio e longo prazo, maior conforto urbano e melhora das condições climáticas no combate ao aumento de temperatura.

Terminal de ônibus

Problema antigo – A proliferação de doenças pelas cidades já foi motivo de reformas urbanas no passado. A partir de experiências sanitaristas no início do século XX, o Brasil propôs uma regulação do espaço urbano pelos princípios da higiene pública. Orientadas por médicos, as construções de hospitais e cemitérios foram direcionadas para os pontos altos dos municípios, com o intuito de minimizar as possibilidades de contaminação, já que acreditava-se que tal medida proporcionaria a maior circulação de ar nos ambientes e o afastamento dos fluidos, reduzindo os riscos das doenças serem transmitidas. A partir de então, as teorias sanitárias passaram a se tornar fundamentais para estruturar alguns trechos das cidades, orientando a implantação de edifícios de saúde.

Em meio à pandemia de COVID-19, a construção de hospitais de campanha para aumentar o número de leitos disponíveis à população é uma demanda urgente. Contudo, é preciso estudar com cuidado os locais mais apropriados para instalação dessas estruturas: “O contexto urbano em que se encontra os hospitais que serão erguidos, sobretudo os regionais, também deve ser observado. O novo coronavírus não se trata de uma doença restrita a um cenário específico, podendo se espalhar por meio de aglomerações em terminais e estações de transporte, assentamentos precários sem saneamento e através do intenso fluxo nacional e internacional de pessoas e mercadorias nos municípios. Atualmente, há dezenas de polos urbanos espalhados pelo Estado de São Paulo que concentram hospitais regionais de diferentes especialidades. Essa condição pode estimular que as autoridades aproveitem o cenário de pandemia pelo qual estamos passando para criar uma política pública de saúde, considerando a rede hospitalar interiorizada, afirma Tavares.”

Além do Hospital de Amor, Ana Victoria também estuda a infraestrutura presente no entorno de outras quatro instituições de saúde: o Complexo Hospitalar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); o Quadrilátero da Saúde; o Conjunto Hospitalar de Juqueri, e o Complexo do Mandaqui. Agora, no entanto, a aluna sinaliza que pretende direcionar suas pesquisas no sentido de colaborar com a implantação dos hospitais de campanha, auxiliando as autoridades na tomada de decisão: “Nossa pesquisa vai se reajustar e se apoiar sobre as estruturas que estão sendo construídas em meio à pandemia de COVID-19, visando analisar as perspectivas de como trabalhar a questão da saúde na cidade e, especialmente, no entorno hospitalar”, finaliza a graduanda.

Texto: Henrique Fontes – Assessoria de Comunicação do IAU/USP

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