Universidades estaduais paulistas celebram os 30 anos de sua autonomia

Responsabilidade, desafios e futuro da autonomia foram os principais temas debatidos no evento

Sandro Roberto Valentini, Marcelo Knobel, Patricia Ellen da Silva , Vahan Agopyan, Almino Afonso e Luiz Gonzaga Belluzzo durante os evento dos30 anos de Autonomia de Gestão Financeira das Universidades Estaduais Paulistas – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Com o auditório do Centro de Difusão Internacional lotado, as três universidades estaduais paulistas – USP, Unesp e Unicamp – comemoraram os 30 anos do decreto nº 29.598, que conferiu autonomia financeira e administrativa a essas instituições.

“Hoje, celebramos não apenas os 30 anos do decreto, mas tudo o que foi conquistado em tão pouco tempo. Em três décadas, apesar de tantas dificuldades, alcançamos as principais posições não só do Brasil, mas da América Latina. Estamos entre o 1% das melhores universidades do mundo e isso não é pouca coisa”, afirmou o reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, atual presidente do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp).

Representando o governador João Doria, a secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, Patricia Ellen, reiterou o compromisso do governo de manter a autonomia universitária. “Eu tenho muito orgulho de que as nossas universidades estejam entre as melhores do mundo, tenho muito orgulho de ter estudado na USP e ter tido a vida transformada pelo acesso à educação universitária de qualidade. Vivemos um momento em que é necessária muita reflexão sobre o futuro e a universidade cumpre um papel fundamental que é o de estabelecer um campo para o diálogo”, ressaltou Patricia.

Homenageados

O professor aposentado da Unicamp, Luiz Gonzaga Belluzzo, ocupava o cargo de secretário estadual de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico de São Paulo na época do decreto e foi homenageado por seus esforços para consolidar a autonomia das universidades estaduais paulistas.

“A autonomia foi uma conquista de muitas pessoas e devemos fazer de tudo para preservá-la. Nesse momento, os esforços devem ser direcionados para incluí-la na Constituição do Estado de São Paulo, de maneira que não fique sujeita às idiossincrasias e indisposições dos governantes. Outra questão é estabelecer critérios de gestão que a aperfeiçoem”, reforçou Belluzzo.

O outro homenageado na cerimônia foi Almino Affonso, vice-governador do Estado de São Paulo de 1987 a 1990. Em um discurso bem humorado, Affonso afirmou brincando que, como vice, não tinha mérito nenhum em relação ao decreto.

“Apago de mim com a maior honradez qualquer significação pessoal, mas me dá muita alegria poder dizer que presenciei o ato em que o governador, com muita lucidez, tomou uma medida tão significativa para a história das nossas universidades. Como defendia Rui Barbosa, não é uma estátua ou uma rua que perpetua o nome de alguém. O que deve ficar para sempre são os atos e o que eles significam para o futuro. É plantar algo que fica, é criar algo que vai além da pessoa, é o fato em si que tem a significação histórica. Entre todos os fatos pelos quais o governador Orestes Quércia venha a ser lembrado, esse é o que fica”, disse.

Painel 1: Os reitores Vahan Agopyan (USP), Marcelo Knobel (Unicamp) e Sandro Roberto Valentini (Unicamp) – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Painel 1: Responsabilidade e desafios

No primeiro painel do evento, os três reitores discutiram o papel e a importância da autonomia de gestão financeira para o desempenho das funções das universidades estaduais públicas paulistas.

“Um aspecto que eu gostaria de ressaltar é que, com a transferência da responsabilidade da gestão dos recursos às próprias universidades, elas puderam planejar suas ações e seu futuro, o que foi um ponto crucial para o aumento da eficiência quantitativa e qualitativa nas últimas décadas”, explicou o reitor da USP, Vahan Agopyan.

De acordo com ele, também foi a autonomia que permitiu às universidades tomar decisões duras – como o Programa de Demissão Voluntária, a paralisação dos investimentos e a redução das despesas de custeio –, em um curto período de tempo, para superar as dificuldades financeiras. “Nós temos problemas, não negamos, mas também temos a competência para analisá-los e a soberania para combatê-los”, concluiu Agopyan.

O reitor da Unesp, Sandro Valentini, lembrou que “esse também é um momento para refletirmos sobre o que precisamos mudar para garantir a permanência da autonomia e dos desafios que são postos para as universidades”.

“Nos últimos anos, além da crise conjuntural que o País atravessa, também começou a se implantar nas universidades uma crise estrutural, em que grande parte das receitas estão comprometidas com o pagamento dos inativos. Precisamos trabalhar juntos para encontrar uma solução para essa crise estrutural de financiamento, mas ao invés de tentar entender o problema e contribuir para a solução, muitos setores da sociedade preferiram construir uma narrativa negativa contra a autonomia de gestão e contra as universidades”, defendeu Valentini.

Marcelo Knobel, reitor da Unicamp, também mostrou preocupação quanto ao futuro do sistema de ensino superior do Estado e destacou dois aspectos: o teto salarial, considerado pouco atrativo para novos talentos, e a insegurança em relação à manutenção do modelo atual de financiamento.

“É difícil falar sobre o teto salarial em um país com tanta desigualdade social, porém, precisamos levar em conta o nível de especialização que nossos docentes e funcionários precisam ter, e do tempo e esforço para sua formação. Nas áreas mais competitivas, por exemplo, há concursos para docentes que ficam sem candidatos e a temida fuga de cérebros está cada vez mais frequente. Nesse cenário complexo, temos ainda uma grande preocupação em relação à maneira como será conduzida a reforma tributária e a redistribuição de recursos”, afirmou.

O reitor da Unicamp reforça a necessidade de “mostrar de maneira mais efetiva, para os políticos e para a sociedade, o que a universidade de fato é e o que ela representa. Nós geramos empresas, nós atendemos a população em nossos hospitais, criamos cultura, inovação, oportunidades, isso sem contar a formação de recursos humanos que ocupam os cargos de liderança desse País. As universidades estaduais paulistas são um patrimônio não só do Estado de São Paulo, mas do Brasil e precisamos do apoio de todos para garantir que essa excelência se mantenha para as próximas gerações”.

Painel 2 – José Goldemberg, Carlos Vogt e Paulo Milton Barbosa Landim – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Painel 2: Atestado de maioridade

O segundo painel do evento, A autonomia de gestão financeira: história e perspectivas, foi aberto pelo reitor da USP em 1989, José Goldemberg, que explicou o contexto histórico em que aconteceu a autonomia. Goldemberg relatou que, nas discussões sobre a elaboração da Constituição de 1988, os reitores das universidades públicas paulistas se reuniram várias vezes com o sub-relator do texto, o então senador Mário Covas, sobre os termos da autonomia. “Covas era muito pragmático. Ele tirava e colocava o item da autonomia financeira a cada mês, devido a pressões que ocorriam. Os reitores o convenceram de que essa autonomia era uma maneira de dar um atestado de maioridade para a universidade”, lembrou.

Após a promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, que estabeleceu a autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial das universidades, os reitores levaram a questão para o governador Orestes Quércia. “Foi uma conjuntura muito favorável, porque o secretário Luiz Gonzaga Belluzzo era uma pessoa esclarecida e não se opôs a que se fosse feita uma vinculação. Nós explicamos ao Quércia que a autonomia era uma maneira de permitir às universidades equacionarem seus problemas”, afirmou.

Sobre o legado dessa conquista para as universidades, Goldemberg foi enfático: “Com a autonomia, a influência política nas nossas universidades caiu a zero. Eu me lembro perfeitamente, antes, no período autoritário, do tipo de influência que ocorria. Esse é um legado que precisa ser preservado e depende do comportamento adulto das universidades”.

Para Paulo Milton Barbosa Landim, que assumiu a reitoria da Unesp poucos dias depois da assinatura do decreto, a autonomia foi importante para a instituição se consolidar como uma universidade de ensino e de pesquisa. “A reunião simultânea dos três conselhos universitários representa o coroamento do sistema universitário paulista e a grande consequência da autonomia é ter colocado USP, Unicamp e Unesp entre as maiores universidades da América Latina”, ressaltou.

Landim sucedeu Jorge Nagle, que negociou a autonomia com Goldemberg e Paulo Renato Souza, então reitor da Unicamp. “Tenho que lamentar a situação em que se encontram as universidades federais e o desnível entre nossa situação de alegria, conforto, júbilo e vitória e o que acontece no sistema federal”, assinalou.

O coordenador do painel, Carlos Vogt, que era vice-reitor da Unicamp na época do decreto, colocou a autonomia como resultado de dois grandes projetos de reforma cultural no Brasil do século 20: a Semana de Arte Moderna, em 1922, e a criação da USP, em 1934. Também apontou a influência da criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em 1962, e do movimento pela redemocratização do País. “A autonomia é uma conquista da democracia e faz parte das instituições que participam e contribuem para seu amadurecimento e fortalecimento”, destacou.

Vogt destacou a criação da Comissão de Defesa da Autonomia pelo Cruesp como um avanço para as universidades aprimorarem a autonomia e enfrentarem os desafios futuros. “Ela poderá evoluir para criação de um conselho interuniversitário de gestão da autonomia. Entre os desafios, além do teto salarial, há uma questão de fundo estrutural que é a possível federalização dos tributos, que pode tirar o fundamento material da autonomia de gestão financeira. A inclusão do decreto na Constituição do Estado é um outro desafio fundamental”, disse.

Painel 3: A pró-reitora de Cultura e Extensão Universitária da USP, Maria Aparecida de Andrade Moreira Machado; a vice-reitora da Unicamp, Teresa Atvars; e a ex-vice-reitora da Unesp, Marilza Vieira Cunha Rudge – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Painel 3: “Valeu a pena?”

O último painel do evento – A gestão da autonomia e a autonomia da gestão financeira – teve a participação das representantes femininas envolvidas com a gestão administrativa e acadêmica das Universidades.

A pró-reitora de Cultura e Extensão Universitária da USP, Maria Aparecida de Andrade Moreira Machado, apresentou um panorama das atividades e dos projetos que estão sendo desenvolvidos em sua área de atuação, dentre eles, a Feira USP e as Profissões, que será realizada nos próximos dias 22, 23 e 24 de agosto.

Também abordou as ações voltadas para a inclusão social na Universidade e os principais indicadores alcançados pela instituição no período “pós-autonomia”. “Em 1989, tivemos 1.634 dissertações e teses defendidas. Em 2018, esse número chegou a 6.857”, considerou.

“Esses dados mostram que fazemos uma gestão responsável, com compromisso com a sociedade paulista, que paga os impostos que subsidiam as nossas atividades. Estamos envidando esforços para que a autonomia seja preservada e isso é fundamental para que possamos continuar nossa missão”, destacou.

A ex-vice-reitora da Unesp, Marilza Vieira Cunha Rudge, deu início à sua apresentação com um questionamento: “Valeu a pena termos essa autonomia?”. E respondeu, corroborando a afirmação da pró-reitora da USP: “Sem dúvida, fomos extremamente responsáveis e eficientes no uso da gestão financeira nos últimos trinta anos”.

Marilza ressaltou um aspecto importante da atuação das universidades públicas, que é o relacionamento com o setor produtivo. “Já foi apresentado aqui que houve aumento significativo no número de matrículas na graduação e na titulação de mestres e doutores. Mas, queria chamar a atenção de vocês para os dados referentes à produção de artigos científicos envolvendo as universidades e as empresas. Nossas universidades têm cumprido seu papel”, afirmou.

A vice-reitora da Unicamp, Teresa Atvars, falou sobre a necessidade das parcerias com as entidades públicas para a defesa e a manutenção da autonomia. “A autonomia é um princípio essencial para nossa independência e não pode se dar independentemente de outros atores sociais. É importante que os governos entendam a dinâmica própria das universidades e estabeleçam um diálogo qualificado com as instituições com planos e metas para a educação superior”, avaliou.

Para ela, “há muito trabalho pela frente. Estamos equacionando muitos problemas no pleno exercício da autonomia. Os riscos para a autonomia hoje são para a liberdade de cátedra, para a pluralidade de ideias e para a preservação da universidade diversa. É isso que nos move a congregar as três universidades e nos mantermos constantemente vigilantes”.

Textos de Adriana Cruz, Erika Yamamoto e Júlio Bernardes – Jornal da USP

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