Projeto da USP que atrai garotas para o mundo da tecnologia já impactou mais de 450 estudantes

Escola de verão do ICMC ensina técnicas de programação e negócios para meninas de 10 a 18 anos; em 2021, alunas que participaram da iniciativa foram destaque em desafio internacional de empreendedorismo

O empoderamento feminino pode vir de muitas formas e uma delas é por meio da inserção de mulheres em áreas ocupadas majoritariamente por homens, como acontece hoje em dia com as ciências exatas. A transformação em busca da igualdade de gênero nessa área depende de iniciativas que estimulem desde cedo o interesse de jovens garotas pelo ramo, como a Technovation Summer School for Girls (ou TechSchool), escola de verão realizada desde 2018 pelo Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos. O projeto já impactou mais de 450 meninas, de 10 a 18 anos, ensinando técnicas de programação e de habilidades empreendedoras para o desenvolvimento de aplicativos que podem ajudar a solucionar problemas sociais.

Uma das alunas que participou do projeto é Adrielly Inocêncio, de 14 anos, que esteve na  edição de 2021 da TechSchool. “Quebrar estereótipos é algo que está mais frequente na sociedade e me sinto muito feliz em poder fazer parte disso. Projetos como a Technovation Summer School são excelentes oportunidades para que as garotas se descubram na área da tecnologia, porque nós podemos fazer o que quisermos. Tenho certeza de que a participação na escola de verão vai mudar a vida de muitas meninas, especialmente a minha. Essa experiência conta no currículo e pode me ajudar a entrar em uma escola melhor ou, futuramente, em uma universidade”, conta a jovem.

A escola de verão é um projeto do Grupo de Alunas de Ciências Exatas (GRACE), vinculado ao ICMC. Durante a TechSchool, que é totalmente gratuita, diversos conteúdos são ministrados por mentores voluntários que realizam palestras e oficinas. Um dos objetivos é mostrar a representatividade das mulheres na área de ciências exatas. “As meninas conhecem várias engenheiras, cientistas e estudantes do ramo. Gostaria de ter vivenciado uma experiência como essa quando tinha a idade delas, pois por muito tempo achei que a área era exclusivamente masculina”, afirma Ana Beatriz Bavaresco, uma das mentoras do GRACE e estudante de Engenharia Aeronáutica da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP.

 

“Quebrar estereótipos é algo que está mais frequente na sociedade e me sinto muito feliz em poder fazer parte disso”, diz Adrielly Inocêncio, de 14 anos. (crédito da imagem: arquivo pessoal)

 

Além de abrir caminhos para o empoderamento feminino e apresentar novas possibilidades de carreiras, a escola de verão também busca incluir pessoas de baixa renda e aproximar a sociedade da Universidade. “Em geral, 80% das participantes são de escolas públicas, e a experiência nesses últimos anos tem sido incrível. Elas têm contato com tecnologias, com o pensamento computacional e com pessoas que já estão atuando no mercado de trabalho, permitindo que elas tenham a oportunidade de saber quais são as possibilidades e perspectivas futuras, caso resolvam seguir por esse caminho. Quando realizado de forma presencial, o projeto estimula ainda a convivência direta com o ambiente da USP e a troca de experiências entre participantes e mentoras, proporcionando um enriquecimento pessoal imensurável para essas meninas”, comenta Kalinka Castelo Branco, professora do ICMC e fundadora do GRACE.

Um dos exemplos do impacto que a escola de verão pode gerar na vida das jovens garotas é a estudante Gabriella Locateli, de 13 anos, que também participou do TechSchool este ano. Ela conta que a iniciativa mudou o pensamento que ela tinha sobre a atuação profissional nas áreas de computação e tecnologia, que até então imaginava serem mais voltadas para os homens: “Participar desse projeto foi algo que me marcou muito, principalmente pelos ensinamentos que nos foram passados e o estímulo ao trabalho em equipe entre as garotas. Acredito que precisamos de mais mulheres trabalhando nesses ramos e gostaria muito de ser uma delas”, revela a aluna.

 

A estudante Gabriella Locateli, de 13 anos, conta que a iniciativa mudou o pensamento que ela tinha sobre a atuação profissional nas áreas de computação e tecnologia, que até então imaginava serem mais voltadas para os homens. (crédito da imagem: arquivo pessoal)

 

Cruzando fronteiras – Durante a TechSchool, as meninas são divididas em equipes para desenvolverem os aplicativos. Ao final do programa, os projetos são avaliados por uma banca formada por especialistas nas áreas de negócios, inovação e tecnologia, e os times que alcançam as melhores avaliações recebem prêmios. Este ano, por exemplo, as alunas dos seis times vencedores (três da categoria júnior, de 10 a 14 anos, e três da categoria sênior, de 15 a 18 anos) ganharam tablets.

No entanto, independente das premiações, todos os anos as participantes da escola são estimuladas a levarem suas ideias para a Technovation Girls, competição global de tecnologia e empreendedorismo para meninas do ensino fundamental e médio, em que os grupos devem desenvolver um aplicativo de celular que solucione um problema social. Na escola do ICMC, as meninas recebem orientações para participar do desafio. Na edição de 2021 da iniciativa, a equipe de Adrielly e Gabriela conquistou o primeiro lugar na modalidade júnior da regional da América Latina. O time das jovens era composto pelas estudantes Lívia Marcomini, Julia Andrade da Silva e Giovanna Franciulli. O grupo surpreendeu os jurados com um aplicativo batizado de Diana, em homenagem à personagem da Mulher Maravilha, cujo objetivo é ajudar mulheres a saírem da condição de violência doméstica.

 

“A ferramenta usa geolocalização para identificar onde a vítima está e levar ajuda até ela. O aplicativo possui, ainda, uma interface disfarçada, que se parece com um app de leitura, isso para que o agressor não desconfie do seu uso e para que a vítima se sinta mais segura em fazer a denúncia”, explica Adrielly. Dessa forma, basta a mulher baixar a ferramenta no celular para ser direcionada a um chatbot que, por meio de inteligência artificial, identifica qual tipo de violência a pessoa está sendo vítima e aciona a Central de Atendimento à Mulher pelo 180.

Para criar o aplicativo, as meninas tiveram contato com conceitos e técnicas de diversas áreas: “Aprendi conteúdos sobre tecnologia, como a programação blocky (usada no projeto), e alguns tópicos de design, uma área que me interessou bastante e em que pretendo seguir carreira”, comenta a estudante. O aplicativo ainda não está disponível para download, mas a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos das Mulheres da Câmara dos Deputados já demonstrou interesse em ajudá-las a acelerar a implementação do app. Nos últimos dias 12 e 13 de agosto, as jovens também apresentaram o Diana no Technovation World Summit, evento global que promove tecnologias desenvolvidas por meninas de todo o mundo.

A ideia da plataforma digital foi baseada no estudo Visível e Invisível: A vitimização de mulheres no Brasil – 3ª Edição, de 2021, realizado pelo Datafolha em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Por meio do material, as estudantes descobriram dados alarmantes: ao todo, 1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento no Brasil durante a pandemia de Covid-19; segundo o relatório Violência Doméstica durante a pandemia de Covid-19”, também feito pelo FBSP, nos meses março e abril de 2020, os casos de feminicídio aumentaram 22,2% em 12 estados. Segundo Isadora Ferrão, doutoranda do ICMC e líder do time de comunicação do GRACE, o reconhecimento internacional do trabalho que vem sendo desempenhado pelas meninas que participam da escola de verão era apenas questão de tempo: “Todos os anos elas desenvolvem apps super competitivos graças a TechSchool e já esperávamos que esse prêmio viria logo”, comemora.

Consolidação ano a anoA Technovation Summer School for Girls surgiu a partir de um projeto piloto chamado Hackday e, devido ao grande sucesso da iniciativa, a experiência foi adaptada para o atual formato (que dura cinco sábados). A escola de verão começou sob o guarda-chuva de um grande projeto chamado Ações no ensino fundamental e médio: inclusão feminina no ensino superior de ciências exatas, aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no final de 2018. Os bons resultados levaram à continuidade da iniciativa, que novamente foi incluída e aprovada em outra chamada do CNPq, em 2019, dessa vez por meio do projeto Ações no Ensino de Ciências na Educação Básica: ações inovadores para o ensino de ciências fazendo uso de programação com foco na melhoria do ensino público.

“Quando realizado de forma presencial, o projeto estimula ainda a convivência direta com o ambiente da USP e a troca de experiências entre participantes e mentoras, proporcionando um enriquecimento pessoal imensurável para essas meninas”, revela a professora Kalinka Castelo Branco. (crédito da imagem: Denise Casatti)

 

Em 2020, mesmo sem novos editais de agências de fomento que se encaixassem na temática, a TechSchool não deixou de ocorrer, trazendo resultados relevantes: dois projetos sobre saúde mental criados na escola de verão estiveram entre os semifinalistas da categoria júnior na Technovation Girls. Um deles foi o app Stop Anxiety, desenvolvido pelas alunas Ana Júlia Santos Garcia, Claudia Roberta Castello, Júlia Roberta dos Santos, Maria Eduarda Santos Linhares e Sofia Bonini Pinto. O objetivo da ferramenta é ajudar na identificação e superação de sintomas de ansiedade. Já o outro aplicativo elaborado foi o Smile, de autoria das participantes Ana Luiza Diogo, Gabriela Kaori, Julia Moraes e Mariana Toledo, focado em contribuir com a redução dos impactos da depressão em crianças e adolescentes.

Ao longo das edições, a fama da escola cresceu e foi atraindo cada vez mais meninas: 74 participantes em 2018; 164 em 2019; e 173 em 2020. Em 2021, o evento precisou ser realizado de forma totalmente remota, por conta da pandemia, e houve uma redução no número de vagas oferecidas: 46 meninas participaram. “Apesar dessa redução e da falta de contato das meninas com as instalações da USP, o evento permitiu algo que até então não era possível: a participação de meninas e mentores de outros estados. Isso enriqueceu o programa e trouxe novas perspectivas de pensarmos o que poderemos fazer de diferente quando essa situação retornar ao antigo normal”, comenta Kalinka. Ao todo, o evento já contou com mais de 300 mentores provenientes do Estado de São Paulo e também dos estados de Goiás e do Rio Grande do Sul.

Para 2022, Isadora afirma que a meta é chegar a todos os estados brasileiros e aprimorar ainda mais o projeto: “Pretendemos estudar os times vencedores da Technovation Girls para aperfeiçoar as mentorias de toda a escola, além de impulsionar a TechSchool para outros lugares do Brasil. Inclusive, estamos abertos para auxiliar outros grupos a desenvolverem seus projetos nas suas regiões. Afinal, lugar de mulher é onde ela quiser, e as nossas meninas estão aí para provar!”, finaliza.

A próxima edição da escola de verão deve ocorrer em 2022, mas ainda não tem data marcada. A orientação é para que as meninas e mentores interessados em participar fiquem atentos ao Instagram e ao Facebook do GRACE. Para obter mais informações sobre o projeto, basta enviar um e-mail para o endereço grace@icmc.usp.br.

 

Texto: Rebecca Crepaldi – Assessoria de Comunicação do ICMC-USP
Fotos: divulgação

 

Mais informações
Assessoria de Comunicação do ICMC/USP
E-mail: jornalismo@icmc.usp.br
E-mail do projeto: grace@icmc.usp.br
Reportagem: Elas estão rompendo as barreiras das exatas

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