USP e UFSCar pesquisam como a inteligência artificial pode otimizar o desenvolvimento de vidros

Primeiros resultados obtidos pelos pesquisadores das duas instituições já foram publicados em uma das principais revistas da área de Engenharia de Materiais
 

O professor Edgar Zanotto e o pós-doutorando Daniel Cassar, da UFSCar, estabeleceram parceria com
o professor André de Carvalho, do ICMC-USP (crédito da imagem: Mariana Pezzo/CCS-UFSCar)

Uma parceria científica bem-sucedida está acontecendo no interior do Estado de São Paulo com a união de conhecimentos entre pesquisadores que estudam materiais vítreos e os que atuam na área de inteligência artificial. Os primeiros resultados geraram um artigo, publicado na última edição de uma das principais revistas da área de Engenharia de Materiais, a Acta Materialia.
Segundo os pesquisadores, o artigo é o primeiro do mundo que aborda o emprego de uma das técnicas de inteligência artificial, as redes neurais artificias, para prever a temperatura de transição vítrea em vidros, especificamente vidros inorgânicos não metálicos. É também o terceiro artigo que fala sobre o emprego de redes neurais para estudar materiais vídeos. Intitulado Predicting glass transition temperatures using neural networks, o trabalho é assinado por três pesquisadores: Edgar Dutra Zanotto, docente do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); André de Carvalho, professor e vice-diretor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos; e Daniel Roberto Cassar, pós-doutorando do Laboratório de Materiais Vítreos da UFSCar.
Para entender a relevância desse artigo, é preciso compreender que as redes neurais artificiais são técnicas computacionais que apresentam um modelo matemático inspirado na estrutura neural de organismos inteligentes, os quais adquirem conhecimento por meio da experiência. Por isso, os especialistas da área de computação precisam inseriam vários dados nessas redes e treiná-las para que possam realizar a tarefa que é esperada.
Mas antes de explicar como essas redes neurais podem ser fundamentais para otimizar o desenvolvimento de novos materiais vítreos, é necessário entender também como os materiais vítreos são desenvolvidos.

No ICMC, o professor André de Carvalho está orientando mais duas pesquisas de doutorado e outras duas
de pós-doutorado relacionadas a aplicações de inteligência artificial na área de materiais vítreos

Como nascem os vidros – Os vidros podem ser obtidos a partir de composições incluindo quase todos os elementos químicos da tabela periódica, que geralmente passam por um processo de aquecimento e fusão e, depois, de resfriamento rápido. Como há uma vasta possibilidade de fazer diferentes composições químicas, os materiais vítreos que surgem desses processos também possuem uma grande variação em suas propriedades mecânicas, óticas, térmicas, elétricas e químicas. É por isso que os vidros podem ser utilizados em inúmeras aplicações.
No entanto, esse universo abrangente gera também grandes desafios. Os especialistas estimam que existam 1052 composições vítreas possíveis e, até hoje, apenas 105 vidros foram, de fato, produzidos nos laboratórios e indústrias de todo o mundo. Esses números dão a dimensão do quanto essa área ainda precisa ser pesquisada. “Do jeito que fazemos hoje, que apelidamos de mix and get lucky – misturar e ter a sorte de encontrar uma composição com novas propriedades –, é impossível chegarmos até 1052, mesmo se todos os habitantes da Terra fizerem um vidro diferente todos os dias durante milhares de séculos. Além da escala temporal, há também a questão econômica”, explica Edgar Dutra Zanotto, que é diretor do Centro de Pesquisa, Tecnologia e Educação em Materiais Vítreos (CeRTEV), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Diante desse desafio, há cerca de dois anos o pesquisador começou a pensar em utilizar ferramentas computacionais da área de inteligência artificial, incluindo as redes neurais artificiais, para facilitar a busca por desenvolver novos materiais vítreos. Naquele momento, Zanotto não sabia se a ideia poderia dar certo, pois não tinha nenhuma experiência prévia em inteligência artificial. Foi a partir de uma conversa com o pós-doutorando Daniel Roberto Cassar, do Laboratório de Materiais Vítreos (LaMaV) – também coordenado por Zanotto e parte do CeRTeV –, que a situação mudou.
Como nasceu a parceria – Interessado pela temática, o pós-doutorando fez um curso sobre o assunto e começou a redigir um manuscrito junto com Zanotto, mas havia várias dúvidas e eles resolveram buscar a ajuda dos especialistas no assunto. Então, há cerca de um ano, juntou-se ao time o professor André de Carvalho, que também é membro de um Cepid, o Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI), que é sediado no ICMC.
Com a parceria, os três pesquisadores conseguiram construir uma rede neural para prever a temperatura de transição vítrea de diferentes composições. Ou seja, essa ferramenta de inteligência artificial faz uma previsão do que vai acontecer quando vários elementos químicos são misturados bem como identifica o intervalo de temperatura em que essa composição passará por processos de transformação que gerarão um novo material vítreo. “Mesmo os profissionais mais experientes só conseguem estimar propriedades para misturas com até cinco ou seis elementos. Com mais componentes, eles interagem e as estimativas tornam-se muito complexas. Com essas redes inteligentes, poderemos desenvolver vidros sequer imaginados, com propriedades e aplicações exóticas. Vidros contendo até 10 elementos são relativamente comuns, mas há um universo a ser explorado: composições com 15 a 80 elementos, inacessíveis empiricamente. Trata-se de uma transformação radical”, diz Zanotto.
No artigo Predicting glass transition temperatures using neural networks, os três pesquisadores usaram 55 mil composições – obtidas em bases de dados com registros depositados durante mais de 50 anos – para treinar a rede neural. “Essas redes precisam de muitos dados de boa qualidade para aprender corretamente. Quanto mais dados, mais capacidade de generalização, e este foi outro grande esforço que precisamos fazer: extrair todos esses dados, treinar e validar a rede com eles”, explica o diretor do CeRTEv.
Hoje, o pioneiro Daniel Cassar já não é mais o único pesquisador a trabalhar com as redes neurais no grupo coordenado por Zanotto. Dois anos após a conversa inicial, já há um trabalho de conclusão de curso finalizado e outro em andamento, uma pesquisa de mestrado em andamento e um segundo pesquisador de pós-doutorado. Além disso, sob a orientação do professor André de Carvalho, na USP, existem mais duas pesquisas de doutorado e outras duas de pós-doutorado.
“Para nós, a rede é um produto, uma ferramenta para as nossas pesquisas em engenharia de materiais. Para o grupo do André, elas são o objeto de pesquisa, e eles já estão, por exemplo, estudando qual o melhor algoritmo para resolver um mesmo problema”, conta Zanotto. “Já temos algumas redes treinadas, envolvendo diferentes propriedades de vidros, e uma pesquisa que é anterior às próprias redes, relacionada ao tratamento dos dados para que não sejam inseridos registros com erro no treinamento da rede. É espetacular o avanço em pouco mais de um ano; estamos animados, cada nova propriedade, cada pesquisa abre um novo horizonte, é um tema infinitamente amplo, moderno e relevante”, avalia.
As atividades desenvolvidas também envolvem a frente da inovação, com a construção de softwares que permitam o uso das redes desenvolvidas por outros grupos na academia e na indústria. A partir da primeira rede desenvolvida por Cassar, o primeiro programa já está em desenvolvimento, em uma parceria com a empresa júnior de Computação da UFSCar (CATI Jr.). Nele, será possível inserir uma determinada composição química inorgânica, não-metálica, e prever a sua temperatura de transição vítrea. “Esta é uma aplicação com interesse principalmente científico. Mas, no futuro, quando unirmos as redes relacionadas às diferentes propriedades, poderemos ter a aplicação inversa, com uma relevância muito grande para a indústria. Com essas redes inversas, será possível dizer ao software quais propriedades são desejadas, e ele sugerirá algumas composições com maior probabilidade de apresentar essas propriedades”, finaliza Zanotto.
 
Mais informações:
Assessoria de Comunicação do ICMC: (16) 3373-9666
Texto editado pela Assessoria de Comunicação do ICMC a partir de informações da Coordenadoria de Comunicação Social da UFSCar

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