Com participação do professor Emanuel Carrilho, do IQSC, projeto integra a primeira chamada conjunta voltada ao fortalecimento da pesquisa científica e tecnológica e busca ampliar a oncologia de precisão

Fotos: acervo dos pesquisadores
O câncer de mama é um dos mais incidentes no mundo e deve atingir 73.610 pessoas no Brasil em 2025, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA). Trata-se do tipo de câncer que mais acomete mulheres no país. Enfrentar esse desafio é um dos objetivos do projeto Dispositivos Microfisiológicos com Array de Sensores Eletroquímicos Inteligentes para a análise da viabilidade de células de pacientes com câncer de mama, aprovado na chamada conjunta entre a Universidade de São Paulo (USP) e o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).
A iniciativa é conduzida pelo professor Emanuel Carrilho, do Instituto de Química de São Carlos (IQSC-USP), e pelo pesquisador Renato Sousa Lima, do CNPEM, egresso do grupo de pesquisa Bioanalítica, Microfabricação e Separações (BioMicS), coordenado por Carrilho. O projeto busca desenvolver dispositivos capazes de analisar, in vitro e em tempo real, como células de pacientes com câncer de mama reagem a diferentes quimioterápicos, com o potencial de acelerar e tornar mais eficaz e personalizada a definição do tratamento das pacientes.
“Nosso objetivo é oferecer ferramentas que auxiliem na escolha do tratamento mais eficaz para cada paciente. Ao analisar, em laboratório, como as células reagem a diferentes quimioterápicos, buscamos apoiar a prescrição médica com dados mais precisos e reduzir os efeitos colaterais dos tratamentos”, explica Carrilho.

Além da aplicação na área de oncologia de precisão, a plataforma aque será desenvolvida poderá também ser usada para acelerar e baratear os testes de novos fármacos pela indústria farmacêutica | Imagem: Reprodução Youtube Pró-Reitoria de Pós-Graduação – USP
Microfluídica, sensores e inteligência artificial
A pesquisa proposta se baseia em sensores eletroquímicos e na microfluídica, tecnologias que permitem miniaturizar análises químicas, tornando-as mais rápidas, baratas e sustentáveis. Ao unir essa abordagem às pesquisas em biologia celular em sistemas microfisiológicos correntemente em desenvolvimento no Grupo, busca-se uma resposta que seja mais próxima de um sistema in vivo possível.
Enquanto culturas bidimensionais de células (como as feitas em placas de Petri) ou modelos animais frequentemente falham em prever como um medicamento agirá no corpo humano, os sistemas microfisiológicos, chamados organ-on-a-chip, podem trazer resultados mais realistas. De acordo com Carrilho, hoje, é muito difícil personalizar uma quimioterapia pois há uma corrida contra o tempo e, até o ajuste da dose, há um grande sofrimento dos pacientes.
O projeto contemplado também incorpora sensores eletroquímicos inteligentes associados à inteligência artificial (IA). “Queremos treinar os sensores para responder de forma personalizada. Por exemplo, a partir da biópsia de uma paciente, seria possível reproduzir o tumor em um chip e testar diferentes quimioterápicos para identificar a dose e o fármaco mais eficaz antes mesmo de iniciar o tratamento”, detalha o professor do IQSC.
A infraestrutura do Sirius, a fonte de luz síncrotron brasileira, também será incorporada ao projeto. “As técnicas espectroscópicas com radiação síncrotron permitirão caracterizar em nanoescala as propriedades morfológicas, estruturais e químicas dos eletrodos sob diferentes condições experimentais. Isso nos ajudará a entender como as características de superfície do biossensor influenciam seu desempenho e, futuramente, a desenvolver sensores com desempenho analítico programável, ajustados às demandas de cada tipo de quimioterápico”, explica Lima.
Essa capacidade de controlar a sensibilidade e a faixa de trabalho dos biossensores representa um avanço tecnológico significativo, capaz de acelerar o desenvolvimento de sistemas de biomonitoramento aplicáveis a diferentes fármacos e amostras de pacientes.
Impacto e perspectivas
Com duas bolsas aprovadas pela Pró-Reitorias de Pós-Graduação (PRPG) e de Pesquisa e Inovação (PRPI), uma de doutorado e outra de pós-doutorado, a pesquisa prevê a formação de novos especialistas em áreas de fronteira como microfluídica, biossensores e IA aplicada à saúde. A expectativa é que os trabalhos se estendam por pelo menos dois anos. Os bolsistas terão papéis complementares: o pós-doutorando ficará responsável pelo desenvolvimento dos chips microfluídicos para o cultivo das células, enquanto o doutorando se dedicará à criação dos biossensores para testar os quimioterápicos. “Essa integração será essencial para unir as competências do IQSC, em cultivo e manipulação de modelos celulares, e do CNPEM, que possui expertise em micro/nanofabricação e caracterização avançada de sensores eletroquímicos”, explica Lima.
Carrilho ressalta que já existem empresas internacionais comercializando sistemas microfisiológicos e que o Brasil não pode ficar para trás. “Precisamos desenvolver nossas próprias tecnologias e garantir que o conhecimento gerado na universidade chegue à sociedade e ao setor produtivo”, afirma o professor.
Ele lembra que o grupo do IQSC já deu origem a uma empresa independente voltada ao desenvolvimento de barreiras intestinais em microchips, um exemplo de como a pesquisa acadêmica pode se transformar em inovação concreta. “Essa conexão com as empresas é fundamental para transformar ciência em soluções que gerem impacto real”, completa.
Embora inicialmente focado no câncer de mama, o sistema poderá ser adaptado para outros tipos de câncer, desde que as células se adaptem ao microambiente dos dispositivos. A expectativa é que os resultados abram caminho para novas parcerias entre universidades, centros de pesquisa e a indústria farmacêutica.

O Sirius, acelerador de partículas do CNPEM, oferece infraestrutura de ponta para experimentos em diferentes áreas da ciência | (Imagem: Reprodução/CNPEM)
A chamada USP-CNPEM
Lançada em 25 de junho de 2025, a chamada conjunta entre a USP e o CNPEM marcou a primeira iniciativa do tipo estabelecida entre as duas instituições, com o objetivo de fortalecer a pesquisa colaborativa em áreas estratégicas para o desenvolvimento científico e tecnológico do país. A parceria tem o objetivo de garantir a atuação conjunta de pesquisadores das duas casas e cada proposta deveria, obrigatoriamente, ter dois coordenadores principais, um vinculado à USP e outro ao CNPEM. Já os bolsistas de doutorado e pós-doutorado seriam selecionados somente no momento da implantação dos projetos, assegurando que a escolha estivesse alinhada ao andamento das pesquisas.
O edital prevê a concessão de bolsas custeadas pela USP, no valor de R$ 5.520,00 mensais para doutorandos, cuja vigência inicial será de até 24 meses, renováveis por mais 24 meses, e de R$ 12.000,00 mensais para pós-doutorandos, com duração de até 24 meses, renováveis por mais 12 meses. As propostas foram analisadas por um comitê conjunto, formado de maneira paritária entre as duas instituições e orientado pelos princípios da Declaration on Research Assessment (DORA), da qual a USP é signatária. Entre os critérios avaliados estiveram a qualidade e originalidade dos projetos, sua aderência às áreas estratégicas do CNPEM, a capacidade de formação de recursos humanos qualificados, a sinergia interdisciplinar entre os pesquisadores principais e o potencial para futuras colaborações e captação de recursos externos.
Ao todo, foram submetidas 64 propostas, das quais 15 foram aprovadas. Os projetos contemplados abrangem diversas áreas do conhecimento, incluindo ciências exatas e da terra, engenharias, ciências agrárias, ciências ambientais, ciências biológicas e ciências da saúde.
Reportagem: Gabriele Maciel, da Fontes Comunicação Científica



