Com participação do IFSC/USP – Cientistas propõem novo método para prever vulnerabilidade de espécies ao aquecimento global

(Créditos “Green Matters”)

Um estudo conduzido por Mauro Santos, da Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha), e José Fernando Fontanari, do Instituto de Física de São Carlos (USP), lança luz sobre um dos temas mais urgentes da biologia contemporânea: a capacidade das espécies de resistirem ao aumento das temperaturas. Publicado no “Journal of Thermal Biology”, o trabalho aponta falhas em análises estatísticas usadas há décadas e propõe um modelo mais preciso para entender quais animais estão realmente em risco diante do aquecimento global.

O foco dos pesquisadores é a hipótese da compensação entre tolerância e plasticidade térmica — a ideia de que espécies altamente tolerantes ao calor têm menos capacidade de se adaptar a temperaturas ainda mais altas. Isso cria uma “armadilha evolutiva”, ou seja, animais que já vivem perto de seu limite fisiológico podem não ter margem para resistir a um clima cada vez mais quente.

Espécies sob pressão térmica ao redor do mundo

Essa vulnerabilidade já é observada em várias regiões do planeta, especialmente nas zonas tropicais e costeiras.

Recifes de coral do Pacífico e do Caribe, por exemplo, têm sofrido com sucessivos episódios de branqueamento devido ao aumento da temperatura da água, levando à morte de colônias inteiras.

Em florestas tropicais da Amazônia e do Sudeste Asiático, anfíbios e insetos sensíveis ao calor enfrentam dificuldades para sobreviver quando pequenas variações de temperatura desorganizam seus ciclos reprodutivos e metabólicos.

Em áreas áridas da Austrália e do norte da África, répteis como lagartos e escorpiões já operam no limite térmico — e estudos mostram que, em dias de calor extremo, eles precisam restringir sua atividade, o que reduz alimentação e reprodução.

Até em ambientes montanhosos da América do Sul e da Europa, espécies adaptadas ao frio, como borboletas alpinas e anfíbios andinos, estão sendo forçadas a subir para altitudes mais elevadas, onde há menos alimento e espaço.

Esses exemplos demonstram que o fenômeno estudado pelos autores — a limitação da capacidade de adaptação térmica — não é apenas teórico, mas já afeta ecossistemas inteiros.

Um novo olhar estatístico sobre o problema

Prof. Dr. José Fernando Fontanari (IFSC/USP)

Segundo os pesquisadores, parte das conclusões anteriores sobre o tema pode ter sido distorcida por erros estatísticos. Muitos estudos usaram métodos que criam correlações “espúrias” — associações matemáticas que não refletem uma relação biológica real. Isso levou à falsa impressão de que algumas espécies conseguiriam se ajustar facilmente ao calor.

Para corrigir esse viés, os pesquisadores autores do estudo desenvolveram um novo modelo estatístico capaz de distinguir resultados artificiais de evidências reais de limitação adaptativa. Ao reanalisar dados de experimentos com lagartos tropicais — entre eles o Lampropholis coggeri, da Austrália —, eles mostraram que a hipótese da compensação é válida: espécies que já suportam altas temperaturas têm, de fato, menor capacidade de se aclimatar a novos aumentos térmicos.

Impactos para a conservação

O estudo reforça que erros de interpretação podem comprometer políticas de conservação. Se cientistas subestimam a vulnerabilidade de determinadas espécies, programas de proteção podem falhar. “Sem uma base estatística sólida, corremos o risco de superestimar a resiliência das espécies e subestimar as ameaças reais impostas pelo clima em transformação”, alertam os autores nesse estudo.

Ao oferecer um método mais confiável, o trabalho abre caminho para previsões mais realistas sobre a resposta da biodiversidade ao aquecimento global. Em um momento em que ondas de calor já se tornam mais longas e intensas em todas as regiões do planeta, compreender com precisão os limites térmicos das espécies é essencial para evitar perdas irreversíveis na vida selvagem.

Para acessar o artigo científico publicado no “Journal of Thermal Biology”, clique AQUI.

Por Rui Sintra – Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

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