Células solares, transístores, equipamentos flexíveis, e sensores que as pessoas podem colocar na pele para monitorar sua saúde. Estes são alguns (pequenos) exemplos do que a eletrônica orgânica já está fazendo; muito mais se espera para o futuro próximo com materiais moleculares para uma infinidade de aplicações.
A eletrônica orgânica
Enquanto a eletrônica tradicional é toda constituída por materiais inorgânicos – semicondutores inorgânicos, como o silício, a eletrônica orgânica emprega um sem-número de materiais orgânicos. Isso traz a vantagem de grande variabilidade de materiais para desenvolver dispositivos com baixo custo, sem necessitar de fábricas com imensas salas limpas e infraestrutura cara, como a exigida na produção de chips de semicondutores inorgânicos. Exemplos de aplicação de materiais orgânicos são de tintas para recobrir paredes e aumentar o conforto térmico ou gerar energia; um telhado coberto de células solares para captação de energia do sol, ou uma película na janela que muda a cor e absorve o calor para economizar energia…
A eletrônica orgânica provavelmente não vai substituir a eletrônica tradicional em todas as aplicações, principalmente naquelas que requeiram altas velocidades de processamento, como nos computadores tradicionais. Para tal desempenho, não se antevê a substituição dos semicondutores inorgânicos no futuro próximo. Por outro lado, com a eletrônica orgânica podem ser obtidos dispositivos flexíveis, dobráveis, aderidos ao corpo humano e até implantados. O estudo de materiais para eletrônica orgânica, mesmo nos casos em que não há um dispositivo em mente, pode também ser útil para outras áreas de aplicação.
Eletrônica Orgânica no IFSC
O IFSC/USP tem presença forte nesse campo de pesquisa e inovação, sendo a sede do Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica (INEO), coordenado pelo Prof. Roberto Mendonça Faria. Para além do estudo de dispositivos, como alguns já mencionados, no INEO investigam-se também materiais de interesse biológico, com atuação multidisciplinar envolvendo pesquisadores de química, física, engenharia e ciências biológicas. Grande ênfase é dada a três temas: biossensores para diagnóstico, uso de modelos de membranas celulares para investigar a ação de fármacos, e novos materiais para a computação.
Como explica o Prof. Osvaldo Novais de Oliveira Junior, membro do INEO, um dos objetivos é desvendar mecanismos de resistência a medicamentos. “Por exemplo, para combater bactérias superresistentes, novos antibióticos e materiais naturais antimicrobianos são estudados, pois a ação de qualquer fármaco depende da interação com as membranas das células. Esse tipo de estudo fundamental permite identificar moléculas para combater bactérias multirresistentes, um dos grandes desafios, hoje. De fato, há um esforço mundial para estudar novas moléculas que possam servir de antibiótico, e as pesquisas do IFSC/USP fazem parte desse esforço global”, enfatiza o pesquisador. Ainda nesse tópico, investigam-se os processos de resistência a quimioterápicos, essenciais para interromper tratamentos que não estão sendo eficazes.
Outro tópico das pesquisas no INEO é relacionado à possibilidade de fazer computação com materiais orgânicos, como polímeros. Esta é uma área de fronteira, que pode mudar completamente a maneira de se fazer computação, que conta com um especialista no IFSC/USP, o Prof. Gregório Couto Faria. Ao invés de se ter um material inorgânico duro, que faz os processamentos nos chips atuais, poder-se-á ter o que se chama de computação neuromórfica. Em muitos aspectos, é um processamento que se assemelha ao que faz um cérebro humano para realizar funções de armazenar informação. “Há muita pesquisa nessa área, mas sem sistemas comerciais ainda”, destaca o Prof. Osvaldo.
O terceiro tópico de destaque no INEO, na perspectiva de aplicações biológicas, é o da fabricação de sensores e biossensores para diagnóstico, que hoje está crescentemente associado à inteligência artificial.
Inteligência artificial para diagnóstico
Os sensores e biossensores desenvolvidos no IFSC/USP têm potencial aplicação em saúde, para diagnóstico de diversos tipos de doenças, e para monitoramento ambiental. “Para melhorar a qualidade do diagnóstico, em colaboração com colegas de várias outras instituições, passamos a empregar algoritmos de aprendizado de máquina, ou seja, a inteligência artificial, para tratar os dados. Hoje, fazemos diagnóstico usando uma combinação de sensores, línguas eletrônicas e biossensores, cujos dados são analisados com métodos de aprendizado de máquina”, sublinha o Prof. Osvaldo.
Em artigo científico publicado no último mês de maio na Revista Talanta (VER AQUI), uma equipe de várias instituições empregou uma língua eletrônica para o diagnóstico de câncer de boca a partir de amostras de saliva de pacientes e voluntários. Apesar de ter sido usado um número relativamente pequeno de amostras de pacientes do Hospital de Amor de Barretos, o acerto do diagnóstico foi alto, inclusive para distinguir casos de câncer no assoalho ou no céu da boca. Uma alta taxa de acerto só foi possível com o emprego de algoritmos de aprendizado de máquina, e mais importante: foram combinadas medidas elétricas da língua eletrônica com informações clínicas. Segundo o Prof. Osvaldo: “Tínhamos informações desses pacientes e voluntários, como idade, sexo, se eram fumantes ou ex-fumantes, se já tiveram problemas com alcoolismo. Usando essas informações com os algoritmos de aprendizado de máquina, obteve-se uma precisão maior no diagnóstico. Além disso, foi possível determinar quais fatores dos dados clínicos são relevantes para o diagnóstico. Descobrimos que o alcoolismo tem correlação positiva com câncer de boca. Ainda não podemos afirmar que esse resultado seja conclusivo, porque o número de pacientes era pequeno. Mas parece haver maior propensão ao câncer de boca para pessoas que sofrem de alcoolismo, um tema que merece mais investigação.”
O uso de aprendizado de máquina e outros métodos de inteligência artificial vem se intensificando, não só no IFSC/USP como em outras instituições no Brasil e no exterior. Para diagnóstico médico e monitoramento ambiental, espera-se uma revolução nos próximos anos.
Por Rui Sintra – Assessoria de Comunicação – IFSC/USP