Nova técnica busca sustentabilidade ao usar solventes naturais para extrair antioxidantes de um resíduo agroindustrial e usá-los para aumentar a vida útil de alimentos
Pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP encontraram na casca de romã, resíduo agroindustrial que é destinado ao lixo, uma fonte de antioxidantes para uma nova técnica de conservação de alimentos. A substância extraída compõe uma película que, aplicada ao morango, retarda seu processo de envelhecimento e, portanto, aumenta sua vida útil em mais de três vezes.
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Imagem comparativa entre morangos não revestidos e os revestidos com o antioxidante extraído da casca da romã. As frutas revestidas pela película são 30% menos contaminadas por microorganismos e perdem 16% menos água, comparadas às sem a proteção, fatores responsáveis pelo seu perecimento. Com o revestimento, morangos sem conservantes que durariam, em média, quatro dias na geladeira, passariam a resistir por até duas semanas – Foto: Arquivo cedidio pela pesquisadora
“Buscamos com nosso estudo um apelo maior de sustentabilidade, mostrando que a própria natureza nos oferece possíveis alternativas para problemas com os quais lidamos diariamente, como o desperdício de frutas e de alimentos”, afirma, ao Jornal da USP, Mirella Bertolo, autora principal do estudo, publicado no Journal of Cleaner Production, e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e também assinado pelas pesquisadoras do IQSC, Virginia Martins, Ana Maria Plepis e Stanislau Bogusz Junior.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 279 toneladas de romã foram produzidas no Brasil em 2017. Dessa quantidade, parte se torna resíduo agroindustrial, pois não é consumida, como as cascas. Delas, os cientistas extraíram antioxidantes, compostos que apresentam, em sua estrutura, grupos funcionais capazes de sequestrar os radicais livres, espécies instáveis responsáveis pelo envelhecimento, como explica a autora. “Os compostos fenólicos da casca da romã são agentes antioxidantes de extrema importância, combatendo o envelhecimento e protegendo as células da oxidação e demais danos”, completa.
![20220106_mirella Mirella Bertolo, autora principal do estudo - Foto: Arquivo Pessoal](https://i2.wp.com/jornal.usp.br/wp-content/uploads/elementor/thumbs/20220106_mirella-pimjvkmhfn5mow3bizuyn23zvxl9war6q0d7e1iw5g.jpg?w=1200&ssl=1)
Mirella Bertolo, autora principal do estudo – Foto: Arquivo Pessoal
Substâncias naturais, uma alternativa ao solventes tóxicos
Esses compostos capazes de retardar o processo de envelhecimento foram extraídos da casca da romã por meio do uso de solventes produzidos com Nades (sigla em inglês para ‘Solventes Eutéticos Naturais Profundos’); são substâncias naturais alternativas ao solventes tóxicos, como metanol e etanol. Os pesquisadores utilizaram solventes naturais a base de cloreto de colina, contendo compostos como ácido lático, ácido cítrico, glicose, sacarose e glicerol. “Todas substâncias seguras pra consumo e que podemos encontrar também em alimentos”, diz.
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Morangos embebidos no revestimento – Foto: Arquivo da pesquisadora
Após a extração, esses antioxidantes foram adicionados ao açúcar (polissacarídeo quitosana) e a gelatina (proteína), polímeros que não apresentam toxicidade a nós ou ao meio ambiente. Em seguida, os morangos — que só perdem para os tomates e batatas em perda por valor nos supermercados — foram mergulhados nessa solução, retirados e secos. “Uma vez seco, o revestimento forma uma espécie de película protetora sobre a superfície dos morangos, protegendo-os da oxidação, do ataque de microrganismos e estendendo seu chamado tempo de vida de prateleira”, conta Mirella.
As frutas revestidas pela película são 30% menos contaminadas por microorganismos e perdem 16% menos água, comparadas às sem a proteção, fatores responsáveis pelo seu perecimento. Com o revestimento, morangos sem conservantes que durariam, em média, quatro dias na geladeira, passam a resistir por até duas semanas.
Os dados da pesquisa mostraram que o método com Nades pode ser uma alternativa eficaz e ecológica, extraindo 84,2% mais antioxidantes da casca da romã do que os solventes tradicionais e nocivos, evitando o uso destes. Além disso, a aplicação da película protetora nos morangos também pode evitar o uso de compostos mais tóxicos e agressivos, como os agrotóxicos que, atualmente, são a forma mais utilizada de conservação de frutas e hortaliças, segundo Mirella. Isso sem alterar o sabor ou a textura do alimento.
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Romãs usados no estudo – Foto: Arquivo cedido pela pesquisadora
“A ideia é que o revestimento possa ser aplicado às frutas ainda no pé, ou então no momento da colheita; assim, quando chegarem aos mercados, as frutas já estarão revestidas com a película protetora, e ainda mais protegidas do que se estivessem sem o material”, afirma. A pesquisadora conta que os resultados promissores encontrados para o morango sugerem que o revestimento pode ser útil também para outras frutas e legumes.
“Nosso objetivo agora é ampliar o espectro de aplicação do nosso revestimento para outras frutas, como o mamão, que também é extremamente perecível”, afirma. O próximo desafio da pesquisa é migrar dos estudos laboratoriais para o campo ou em plantas piloto, o que exige interesse de empresas ou de produtores para que o revestimento possa ser aplicado tanto em maior escala, quanto em uma maior diversidade de alimentos.
Mais informações: e-mail mirella.bertolo@usp.br, com Mirella Bertolo
Por Guilherme Gama – Jornal da USP
Arte: Ana Júlia Maciel