Francisco Rodrigues foi coautor de obra multidisciplinar que combinou a Matemática com a Ecologia em um estudo de espécie de morcegos e seus comportamentos na cadeia alimentar
O pesquisador Francisco Aparecido Rodrigues, que compõe o grupo de cientistas principais do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI), foi destaque da tradicional revista Methods in Ecology and Evolution, publicada pela Sociedade Britânica de Ecologia. Um artigo de autoria do Professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP e de mais outros três pesquisadores foi selecionado como capa do volume 15, edição 2 do periódico.
Registrada em dezembro de 2023, a obra “Um novo índice de centralidade projetado para redes multicamada” combina a aplicação multidisciplinar da Matemática com Ecologia em um estudo sobre como medir na prática o conceito de espécie-chave, ou seja, espécies desproporcionalmente mais importantes do que outras na manutenção de funções ecológicas e serviços ecossistêmicos. Francisco é coautor do artigo na companhia de Marco A. R. Mello, Professor do Instituto de Biociências (IB) da USP, e do aluno Henrique Suzuki Requejo, da USP, e da pós-doutoranda Nastaran Lotfi, que é bolsista da Fapesp (vinculada ao CEMEAI) e atualmente está realizando pesquisa na Universidade do Texas, nos Estados Unidos.
O trabalho apresenta uma contribuição importante para estudos ecológicos, pois aplicar na prática o conceito de espécie-chave sempre foi um grande desafio. O estudo, além disso, permite estudar espécies-chave em redes multicamada, que são formadas por diversos tipos de interações ecológicas.
No que se baseia o estudo
Muitas vezes, quando nos referimos a morcegos, usados como modelo desse estudo, lembramos apenas do mamífero de hábitos noturnos que pode transmitir raiva ou outras doenças e se alimenta do sangue de outros animais. Só que esses animais estabelecem relações vitais também com as plantas, sendo extremamente necessários para a vida na Terra.
Morcegos ocupam quase todos os lugares do planeta e são essenciais para o equilíbrio do meio ambiente, uma vez que se alimentam de insetos (inclusive os mosquitos que nos transmitem doenças gravíssimas, como dengue e malária), incluindo pragas agrícolas, como gafanhotos e mariposas. E eles também são exímios polinizadores, não só de flores silvestres, mas também de muitas plantas com interesse comercial.
Portanto, várias espécies de plantas necessitam de morcegos para se reproduzirem. Assim, plantas e outros seres dentro da cadeia alimentar podem ser extintos com a ausência desses mamíferos. A fim de compreender melhor essas relações, os pesquisadores mapearam interações entre morcegos e plantas na região neotropical, compreendida desde o México até a Argentina, para identificar espécies-chave de morcegos usando o novo índice criado.
Uso da Matemática para a realização do artigo
Esse tipo de estudo costuma ser realizado da seguinte maneira: os pesquisadores vão a campo e fazem suas observações nas florestas, usando redes de captura, detectores ultrassônicos, câmeras fotográficas, câmeras de vídeo de altíssima definição e diversos outros equipamentos. “Eles estudam aquela espécie e encontram todas as suas interações com diferentes plantas. Daí, constroem a rede complexa que representa as conexões mutualísticas.”, reforça o Professor do ICMC.
A grande novidade apresentada no artigo foi desenvolver um novo índice para medir a centralidade em redes multicamada, que são teias de interações, ou seja, sistemas complexos criados por diversos tipos de interações entre organismos de diferentes espécies. Neste caso, interações de consumo de frutos e de néctar por morcegos.
“Na natureza, organismos de todas as espécies fazem múltiplos tipos de interações, formando uma verdadeira ‘teia da vida’, nas palavras do famoso naturalista Humboldt. Mais recentemente, na Matemática, houve um boom no desenvolvimento de ferramentas para estudar também redes multicamada, ou seja, que permitem analisar dois ou mais tipos de interações juntos. De 2017 para cá, começamos a importar essas ferramentas para a Ecologia”, conta Marco.
E o que seria a centralidade? Ela representa o quanto um elemento do sistema é importante para a estrutura e a dinâmica do sistema como um todo. Só que faltava um índice em específico nessa família de ferramentas que pudesse ser usado com redes multicamada. “Foi essa lacuna que preenchemos. Agora, é possível estudar a importância relativa de cada espécie em uma rede formada por diferentes tipos de interações ecológicas. A comunidade aguardava ansiosamente por uma ferramenta como essa”, comemora o professor do IB/USP.
O índice de centralidade recentemente introduzido, denominado Gnorm, pode ajudar a identificar potenciais espécies-chave de morcegos que não são encontradas com uma abordagem clássica de monocamada. Nastaran Lotfi, aluna de pós-doutorado orientada pelo professor Francisco e primeira autora do artigo, detalha que o projeto – entre a parte de pesquisa empírica e execução do artigo – durou aproximadamente cinco anos. Tudo começou com um trabalho de conclusão de curso escrito por Henrique Requejo e orientado pelo professor Marco, de cuja banca de defesa participou o professor Francisco. Posteriormente, a pós-doutoranda Nastaran assumiu o projeto e desenvolveu-o ainda mais, chegando até a fase de publicação, sob a orientação dos dois professores.
“Felizmente, novos desenvolvimentos na ciência de redes finalmente nos permitiram estudar não apenas um único, mas vários tipos de interação no mesmo sistema, as chamadas redes multicamadas. Nosso objetivo era contribuir para a busca por espécies-chave, transferindo-as para o novo campo das redes multicamadas. Introduzimos uma nova métrica de centralidade, Gnorm, baseada na versão multicamadas da modularidade Louvain”, revela a pesquisadora.
Para Francisco, o algoritmo executado pelo grupo no projeto é um marco importantíssimo para a Matemática brasileira e também para ajudar em linhas similares de estudos no futuro. “Aprimoramos nosso estudo desenvolvendo uma nova métrica para determinar a importância de um morcego em dois tipos de interações alimentares simultâneas: a polinização, através da alimentação de néctar das flores, e a dispersão de sementes, através da alimentação de frutos das árvores. Anteriormente, a comunidade científica focava apenas em analisar as interações entre morcegos que se alimentavam exclusivamente de néctar ou de frutos. No entanto, em nosso trabalho, conseguimos integrar ambos os casos em uma análise única e abrangente”, esclarece o pesquisador do CeMEAI.
Marco vai na mesma linha de raciocínio e crê que o artigo reúne uma interdisciplinaridade típica dos estudos em Ciência de Redes, pois usa conceitos desenvolvidos pela Matemática para estudar fenômenos naturais de interesse da Ecologia, Botânica e Zoologia. É por isso que a obra foi agraciada com a capa da MEE.
“Definimos os problemas científicos de interesse a partir do corpo de conhecimento da Ecologia e, depois, buscamos formas de operacionalizar os nossos estudos e testar previsões empíricas usando tudo isso que pegamos emprestado da Matemática. Esse tipo de ‘crossover acadêmico’ acontece também na Sociologia, na Economia, na Neurociência, no Transporte, nas Finanças, na Medicina e em várias outras áreas, tendo sempre a Matemática como base analítica”, analisa.
Quais os próximos passos?
Após alcançar a capa da Methods in Ecology and Evolution, o grupo de pesquisadores busca aplicar o algoritmo e suas funcionalidades para coletar outros tipos de informações. A ideia é aperfeiçoar a medida.
“Desenvolver esse novo índice foi apenas o primeiro passo. Agora, surgem diversas novas perguntas empolgantes. Será que a importância de uma espécie de morcego em uma rede multicamada tem relação com suas propriedades biológicas? Por exemplo, se é um morcego maior ou menor? Será que tem a ver com o quanto outros tipos de alimento, além dos frutos e flores, são importantes em sua dieta?? A ideia, agora, é tentar explicar os mecanismos e fatores que fazem alguns morcegos atingirem maior centralidade do que outros”, explana Marco.
Grande feito para a ciência brasileira
De fato, o trabalho de Francisco, Marco, Nastaran e Henrique ainda tem desafios pela frente, mas já atingiu um patamar importante na área científica no país. “Apesar de sermos um país em desenvolvimento na economia, o Brasil ainda é uma nação periférica em Ciência. Assim, precisamos fazer ouvir as nossas vozes. Isso ajuda com que saiamos de um papel de apenas replicar agendas científicas dos países centrais e comecemos a definir uma agenda própria”, reforça Marco.
Por sua vez, Francisco vibra com a maior divulgação do trabalho de excelência realizado na USP em prol do desenvolvimento científico no Brasil.
“Publicar o artigo é importante para você, mas quando sai na capa, traz mais visibilidade. Essa visibilidade ajuda a levar o resultado a mais pessoas, mas também ajuda a melhorar a visibilidade da USP. Naturalmente, as citações aumentam, aumenta a visibilidade e todo mundo ganha, incluindo o CeMEAI”, encerra o pesquisador.
Revista Methods in Ecology and Evolution
A publicação expõe artigos metodológicos em todas as áreas da Ecologia e Biologia Evolutiva, incluindo métodos estatísticos, analíticos, de campo e de laboratório, com o objetivo de promover o desenvolvimento, reunindo artigos de uma ampla gama de subdisciplinas para fornecer um fórum único para divulgação.
A ênfase de qualquer artigo publicado no MEE está na descrição e análise de novos métodos e abordagens metodológicas, e não nos resultados da aplicação de métodos novos ou existentes. Esses artigos podem ser artigos de pesquisa completos, descrições formais mais curtas de hardware e ferramentas ou aplicativos de software, revisões ou perspectivas sobre o estado e o desenvolvimento de métodos usados por ecologistas e biólogos evolucionistas.
Os métodos são definidos nos termos mais amplos e podem ser analíticos, práticos ou conceituais.
Sobre o CeMEAI
O CeMEAI, com sede no ICMC da USP, em São Carlos, é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela FAPESP.
O CeMEAI é estruturado para promover o uso de ciências matemáticas como um recurso industrial em quatro áreas básicas: Otimização Aplicada e Pesquisa Operacional, Mecânica de Fluidos Computacional, Modelagem de Risco, Inteligência Computacional e Engenharia de Software.
Além do ICMC-USP, CCET-UFSCar, IMECC-UNICAMP, IBILCE-UNESP, FCT-UNESP, IAE e IME-USP compõem o CeMEAI como instituições associadas.
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