Por Mateus C. Gerolamo, professor da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, Raquel Mello, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Luana C. de Morais, doutoranda da EESC-USP, e Guilherme M. da Silva, estudante de graduação da EESC-USP*
Hoje em dia, o simples ato de baixar um aplicativo de uma loja virtual ou interagir com empresas através de seus sites resulta em uma troca constante de dados. Anteriormente, as informações sobre vendas e interações comerciais eram, em grande parte, consideradas dados internos da empresa. No entanto, com a ascensão da era digital e a proliferação das plataformas on-line, essa dinâmica mudou drasticamente. Cada clique, cada transação e até mesmo cada comentário nas redes sociais alimenta um fluxo contínuo de dados que podem ser capturados e armazenados pelas empresas. Essa interação constante entre consumidores e empresas tem proporcionado uma verdadeira explosão de dados, impulsionando oportunidades para empresas de todos os setores. Esse fenômeno é também conhecido como Big Data.
Apenas reunir dados, no entanto, não é suficiente para garantir o sucesso das organizações. É essencial que as empresas estejam preparadas para analisar e extrair informações e conhecimentos desses dados. Aqui podemos falar de Big Data & Analytics. Ao longo do processo de análise de dados, as empresas começam com dados brutos, que são como peças soltas de um quebra-cabeça. À medida que organizam e interpretam essas peças, elas são transformadas em informações compreensíveis. Com o tempo, essas informações se tornam conhecimento, permitindo uma melhor compreensão das necessidades e comportamentos dos clientes. Por fim, quando aplicam esse conhecimento, as organizações alcançam a sabedoria, que as guia na tomada de decisões inteligentes e estratégicas para o negócio.
Para lidar com essa abundância de dados, é crucial haver uma cultura organizacional orientada a dados, também conhecido como data driven culture em inglês. Cultura organizacional é essencialmente a maneira como as coisas são conduzidas dentro de uma empresa, é como uma espécie de identidade ou personalidade do local de trabalho. Podemos compreender a cultura de uma organização como sendo o modo como as atividades são realizadas internamente, mesmo quando não há observadores externos. De forma mais conceitual, a cultura organizacional é definida como um conjunto de valores compartilhados e vividos em um grupo. Tais valores sustentam comportamentos e práticas que funcionam bem o bastante para resolver problemas tanto de adaptação ao ambiente externo quanto de integração ao ambiente interno. Assim, ensinados como a forma correta de sentir, perceber, pensar e agir referente a tais problemas.
Uma empresa orientada a dados desfruta de diversos benefícios como decisões embasadas em evidências, o que reduz incertezas, resultando em estratégias mais confiáveis. Além disso, essa abordagem proporciona maior agilidade para identificar rapidamente as mudanças no mercado e ajustar suas operações de acordo. Porém, mais de 70% das organizações ainda não possuem uma estratégia eficaz para lidar com essa abundância de dados. Essa lacuna não se limita apenas à falta de expertise em lidar com os dados e a tecnologia, mas também à ausência de uma cultura organizacional que compreenda a importância dos dados para o ambiente empresarial e esteja pronta para utilizar esses dados volumosos para gerar valor e ações estratégicas que trarão benefícios para a empresa.
Nesse contexto, muitas empresas enfrentam uma barreira significativa devido à falta de consideração das questões culturais envolvendo as pessoas. A implementação bem-sucedida do uso efetivo de dados para melhorar os negócios de uma organização requer não apenas investimentos em tecnologia, mas também uma abordagem holística que valorize a colaboração, a transparência e a adaptabilidade. Ao unir dados e cultura, exploramos novas fronteiras de análise e inovação, fortalecendo os laços entre os membros da equipe e promovendo uma mentalidade compartilhada de aprendizado contínuo e melhoria. Isso requer uma ação interdisciplinar, tanto na teoria como na sua aplicação.
É importante reconhecer que o contexto de má implementação de dados muitas vezes está enraizado na cultura organizacional e na liderança. A resistência à mudança e a visão conservadora podem dificultar a aceitação e adoção tecnologias inovadoras, tornando a implementação de uma mudança cultural um desafio significativo. Além disso, muitas organizações enfrentam dificuldades na capacitação de seus colaboradores, necessitando desenvolver habilidades e competências para coletar, analisar e interpretar os dados de maneira eficaz, e adicionado a isso, o desafio de garantir a qualidade e privacidade dos mesmos.
Com a crescente quantidade de dados sendo coletados e utilizados, políticas e procedimentos robustos são essenciais para proteger a integridade e confidencialidade dos clientes e da empresa. O foco na qualidade é fundamental para garantir que as análises e decisões sejam precisas e confiáveis. Sem um compromisso genuíno com a integração dos dados na tomada de decisões e sem líderes que orientem e inspirem essa mudança, os esforços para uma cultura analítica podem ser frustrados. Muitas organizações investem em processos de análise sem compreender completamente a transformação necessária para uma cultura orientada a dados. A crença difundida de que “informação é poder” está com os dias contados, principalmente quando diz respeito ao poder individual e não institucional.
Com essa motivação, o Grupo de Pesquisa em Gestão da Mudança e Inovação (Change USP) iniciou um projeto de pesquisa que tem como objetivo investigar os fatores críticos para a implementação de uma cultura orientada a dados nas empresas. A equipe é multidisciplinar e interinstitucional, envolvendo pesquisadores de Engenharia de Produção, Administração, Computação e Ciência de Dados da Universidade de São Paulo (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Escola de Engenharia de São Carlos e Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), da RWTH Aachen University, Universidade Federal do Amazonas, do Insper e da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Essa diversidade de competências da equipe de pesquisa reflete a importância e abrangência desse tema para as empresas brasileiras e, consequentemente, para o avanço do conhecimento nessa área.
Com duração até 2027 e financiamento do CNPq, o projeto teve seu kickoff em fevereiro de 2024, em um evento de quatro dias. A contribuição dos palestrantes e dos cerca de 400 participantes de vários perfis possibilitou agregar novas ideias e perspectivas que vão contribuir significativamente para a execução do projeto. Empresas interessadas também podem participar desse projeto.
Em conclusão, este projeto em andamento desempenha um papel crucial no entendimento e transformação das empresas para uma cultura orientada por dados. Afinal, a jornada em direção a uma cultura orientada por dados é essencial para impulsionar a inovação e o sucesso das empresas. Como já mencionado por muitos, “dados são o novo petróleo”, e aproveitá-los adequadamente pode abrir portas para novas oportunidades valiosas. Portanto, este projeto não só impulsiona a evolução das organizações, mas também fortalece sua competitividade no mercado em constante mudança.
* Os autores são, respectivamente, coordenador e membros do Grupo de Pesquisa em Gestão da Mudança e Inovação (Change) da USP
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