Artigo: Vem ser professor(a)!

De forma simples, procurei identificar cinco facetas que definem o ‘bom professor’: conhecimento, cultura profissional, tato pedagógico, trabalho em equipe e compromisso social.” António Nóvoa, em Professor – imagens do futuro presente – Ed. Educa, Lisboa, 2009.

O ser humano nasce, sob vários aspectos, muito menos “pronto” do que os demais animais, mesmo que os demais mamíferos. Logo após o nascimento é incapaz de sobreviver sem ajuda. Se bebês recém-nascidos forem abandonados à sua própria sorte, nenhum deles sobreviverá. Já aquelas tartaruguinhas, que nascem de ovos enterrados na areia, correm para a água e jamais conhecerão seus pais ou mães ou dependerão de adultos para crescer e chegar à vida adulta. Por outro lado, se o ser humano nasce “inacabado”, ele é elástico, deixa-se influenciar pelo outro, o que resulta no que podemos chamar de educabilidade. Esta educabilidade demanda educatilidade, ou seja, demanda aprendizados, formais ou não, que levam os seres humanos a integrar a humanidade como a conhecemos. Surge então a escola para formar indivíduos inseridos nas comunidades, afastados da barbárie, como resposta a essa educabilidade.

Ainda que a educação não formal tenha grande importância na formação das pessoas, cabe à escola o trabalho sistemático de transformação dos indivíduos, de inseri-los no universo do saber sábio, mergulhando-os nos conhecimentos acumulados pela humanidade. Neste percurso, a escola e o(a) professor(a) têm papel extremamente importante, pois se caracterizam como um meio social e público que facilita e potencializa a entrada da criança no mundo adulto e na sociedade; ou seja, favorecem a construção da cidadania.

A participação do(a) professor(a) no processo de ensino é complexa e merece reflexão. Inicialmente, o(a) professor(a) precisa acreditar no que faz e gostar do que faz. Depois, deve assumir que a educação exige compromisso com a humanidade e seus valores. O(a) professor(a) é um modelo para seus alunos e alunas, nas ações e atitudes. Quando ele(a) indaga e reflete, faz seus alunos e alunas também indagarem e refletirem. Quando respeita a vida e o ambiente, favorece o surgimento desse respeito nos alunos e alunas. Quando o(a) professor(a) crê na importância de viver em sociedade de forma ética e respeitando a pluralidade cultural, isso também se reflete nos alunos e alunas, que passam a aceitar a diversidade nos componentes da classe e a respeitar opiniões divergentes. Sua responsabilidade é grande, exatamente porque constituem modelos para os jovens.

A sociedade precisa de professores(as) bem formados(as) e daí vem o nosso convite aos jovens: Vem ser professor(a)!

A qualidade da educação é um dos grandes entraves para o desenvolvimento do Brasil. Exames internacionais, como o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), iniciado em 2000 e levado a cabo a cada três anos pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), organização da qual o Brasil ainda não faz parte, mostram o grau de nossas dificuldades. Com provas de Ciências, Matemática e Linguagem, o Pisa coloca nossos estudantes em incômodas últimas posições no ranking dos países participantes e mostra que eles estão abaixo da média dos participantes, com um atraso significativo na aprendizagem.

Há muitos desafios, mas os baixos salários dos professores da Educação Básica (ensinos Fundamental e Médio) representam o maior problema. Isso traz dificuldades de duas naturezas: a) os(as) professores(as) precisam dar aulas em mais de uma escola, assumirem mais aulas do que o razoável, não têm tempo de se capacitarem para inovações e atualização; b) poucos talentos acabam sendo atraídos para a carreira de professor.

Uma consequência é a baixa procura por vestibulares (e Enem) para as licenciaturas e pedagogia. Felizmente alguns Estados da federação têm estabelecido pisos salariais que podem alterar esse cenário. No Mato Grosso do Sul, por exemplo, o salário inicial para jornada completa ultrapassa R$ 8.300; no Maranhão o piso salarial de professores é de mais de R$ 6.800; em São Paulo, o piso é R$ 7.000 para escolas de tempo integral. Mais atraentes ainda são as grandes escolas privadas que dão claras preferências a profissionais formados nas boas universidades públicas. Mas nem só de aulas vive um(a) professor(a) com formação sólida. Existe, por exemplo, o mercado editorial que absorve professores(as) que queiram ser editores, revisores e autores, tanto para trabalharem em livros didáticos e técnicos, como em revistas e sites especializados.

Embora esses exemplos de salários ainda sejam aquém do que gostaríamos, na média cerca de metade da média da OCDE, acreditamos que podem ser razoavelmente atraentes em função de ajustes recentes. Principalmente porque licenciaturas em universidades de pesquisa, como a USP e outras no Estado e no Brasil, fornecem uma formação sofisticada que permite aos egressos atuarem em alto nível no ensino médio e fundamental. E outras perspectivas, inclusive com a continuação de estudos de pós-graduação para carreiras de cientistas, professores universitários. Há muitos casos de sucesso das licenciaturas da USP, tanto de professores(as) bem-sucedidos(as) na sala de aula, como de profissionais que migraram para áreas de ciência, pesquisa e desenvolvimento, aproveitando sua formação sólida numa universidade com a qualidade da USP.

A Licenciatura em Ciências Exatas do Campus de São Carlos, por exemplo, foi concebida nos anos de 1990 com um paradigma que é muito atual: o do ensino com disciplinas integradas e numa perspectiva multidisciplinar. A própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Ensino Médio estabelece competências e habilidades por área de conhecimento, e não mais por disciplina. Assim, em vez de definir essas metas educacionais para Física, Química e Biologia, elas são definidas para a área de Ciências da Natureza. De certa forma, esta é também a proposta do curso de Licenciatura em Ciências Exatas do IFSC, que engloba ainda a Matemática.

As pessoas em geral têm percepção da importância do trabalho do(a) professor(a) para a sociedade. Pesquisa recente mostra que professores(as), cientistas e médicos(as) são os mais confiáveis para os brasileiros e também para os demais países que foram foco da pesquisa. Além do Brasil, participaram África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Bélgica, Canadá, Chile, China, Colômbia, Coreia do Sul, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda, Hungria, Índia, Itália, Japão, Malásia, México, Peru, Polônia, Reino Unido, Suécia e Turquia. Os resultados para o Brasil indicam que professores(as) estão entre os mais confiáveis, com 64%, seguidos(as) de cientistas com 61% e médicos(as) com 59%.

Para jovens que estão decidindo que carreira seguir e querem cursar uma universidade de alto nível – e gratuita – como a USP, lembramos que as inscrições da Fuvest se avizinham, encerrando-se em 7 de outubro. Nossa mensagem aos(às) jovens: vem ser professor(a)!

Por Paulo Bedaque, professor da Faculdade de Educação (FE) da USP, Ana Paula Ulian de Araújo, vice-diretora do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, e Osvaldo Novais de Oliveira Junior, diretor do IFSC da USP

Jornal da USP

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