Com participação do IFSC/USP e FCL/UNESP – Planta da medicina tradicional chinesa mostra potencial para proteger as células contra vírus respiratórios

Já imaginou se uma substância natural pudesse fortalecer nossas células e impedir que vírus respiratórios — como os da gripe ou da COVID-19 — conseguissem nos infectar? Esse foi o foco de uma pesquisa brasileira que mergulhou nas propriedades de uma molécula chamada baicaleína, encontrada em uma planta usada há séculos pela medicina tradicional chinesa (Scutellaria baicalensis / Escutelária Chinesa / Huang Qin / Raiz Dourada). Embora seja um nome pouco conhecido do público, a baicaleína pode estar entre as futuras armas no combate a infecções virais.

Os pesquisadores mostraram que essa molécula tem a capacidade de interagir com as membranas celulares humanas e, dependendo do tipo de célula, reforçar suas defesas naturais. Segundo o pesquisador do FCL/UNESP, Pedro Henrique Benites Aoki e um dos autores do estudo “Isso pode representar um novo tipo de proteção contra vírus que atacam o sistema respiratório, como o coronavírus, o vírus da gripe e o vírus sincicial respiratório (VSR), entre outros”.

Um escudo invisível: como a baicaleína age nas nossas células

Todas as nossas células são envoltas por uma membrana — uma camada microscópica composta basicamente por gorduras (lipídios), que funciona como uma espécie de “parede inteligente”, controlando o que entra e sai. Quando um vírus ataca nosso corpo, ele precisa atravessar essa barreira para infectar a célula e, por isso, fortalecer essa estrutura é uma estratégia promissora para bloquear o início da infecção.

O estudo, publicado neste ano de 2025 na respeitada revista científica Langmuir, investigou exatamente como a baicaleína interage com modelos de membranas celulares. Para isso, os cientistas utilizaram dois tipos diferentes de células humanas cultivadas em laboratório: as Células HEp-2, da região da faringe, que costumam ser altamente vulneráveis a infecções respiratórias, e as Células A375, da pele, que normalmente não são infectadas por vírus respiratórios.

E o que os pesquisadores descobriram foi surpreendente: Nas células HEp-2, a baicaleína ajudou a compactar e organizar melhor a membrana celular. Isso a torna mais rígida e resistente — dificultando a entrada de vírus. Já nas células A375, o efeito foi o contrário, ou seja, a membrana ficou mais fluida e desorganizada, sem efeitos protetores. Resumidamente, a baicaleína parece atuar de forma inteligente e seletiva, protegendo principalmente as células mais vulneráveis a infecções respiratórias.

Por que isso é um avanço importante?

Atualmente, a maioria dos medicamentos antivirais age, tentando impedir a sua replicação. Essa estratégia é eficaz, mas tem limitações, já que muitas vezes, quando os sintomas aparecem, o vírus já está bem instalado no organismo. Além disso, os vírus podem sofrer mutações e se tornar resistentes a esses medicamentos, como já aconteceu com várias variantes do SARS-CoV-2. A baicaleína traz uma proposta diferente, que é reforçar a defesa das células antes da infecção acontecer, tornando o corpo um terreno hostil para os vírus. Isso representa uma abordagem inovadora e complementar à medicina tradicional, podendo ser especialmente útil como forma de prevenção. Imagine um futuro em que pessoas com maior risco — como idosos, portadores de doenças respiratórias crônicas ou profissionais de saúde — possam tomar um suplemento com baicaleína para reduzir as chances de infecção em períodos de alta circulação viral. Parece promissor!

Outros benefícios da baicaleína

A baicaleína não é apenas antiviral. Ela também apresenta propriedades antioxidantes, que ajudam a combater o envelhecimento celular, e anti-inflamatórias, que reduzem processos inflamatórios crônicos associados a várias doenças. Isso significa que seu uso pode trazer benefícios amplos à saúde, especialmente em situações que envolvem estresse celular, infecções ou lesões. Em estudos anteriores, por exemplo, a baicaleína já demonstrou proteger os pulmões de danos causados por vírus e melhorar a sobrevivência de células infectadas — inclusive em testes com o coronavírus.

O que falta para virar um medicamento?

Apesar dos resultados promissores, a baicaleína ainda não está disponível como tratamento aprovado contra infecções virais, isso porque a ciência exige um processo rigoroso para transformar descobertas de laboratório em medicamentos seguros e eficazes.

Contudo, as próximas etapas incluem:

a) Testes em células vivas e tecidos reais, para confirmar os efeitos observados em modelos simplificados;

b) Estudos em animais para entender como a baicaleína se comporta no organismo — como é absorvido, distribuído, metabolizado e eliminado;

c) Ensaios clínicos em humanos para avaliar segurança, dose ideal, possíveis efeitos colaterais e, claro, sua real eficácia;

d) Desenvolvimento de formulações práticas, como cápsulas, sprays nasais ou inaladores, que garantam que a baicaleína chegue ao local desejado — principalmente aos pulmões e vias respiratórias.

Ciência e natureza: uma parceria com grande futuro

Esse estudo mostra como a união entre a sabedoria tradicional e a pesquisa científica moderna pode gerar soluções inovadoras. Muitas vezes, a natureza já oferece moléculas potentes — e o papel da ciência é compreender como elas funcionam e como os cientistas a podem usar da melhor forma. “Num mundo que ainda enfrenta os impactos das pandemias e o surgimento de novas variantes virais, buscar estratégias que fortaleçam o organismo e atuem preventivamente é mais urgente do que nunca”, conforme afirma o docente, pesquisador do IFSC/USP e coautor deste estudo, Prof. Dr. Osvaldo Novais de Oliveira Junior.

A baicaleína urge como uma promessa nesse cenário e talvez, no futuro, essa molécula que hoje está nas raízes de uma planta ancestral possa estar nas farmácias, ajudando a proteger milhões de pessoas.

Bruna Alves Martins é a primeira autora deste estudo e faz parte do grupo Nanotec, coordenado pelo Prof. Dr. Pedro Henrique Benites Aoki. Ela realizou seu projeto de pesquisa de iniciação científica com bolsa Fapesp (2023/17301-5) durante a graduação em Engenharia Biotecnológica, investigando as interações moleculares do flavonoide baicaleína.

Ela segue investigando esse flavonoide agora no mestrado, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências e Tecnologia de Materiais (POSMAT), com bolsa Fapesp (2025/00626-4).

Para conferir esta pesquisa, clique AQUI.

Por Rui Sintra – Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

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