À maneira que a tecnologia avança, a influência da Inteligência Artificial (IA) na rotina humana é inevitável. Desde o desenvolvimento robôs de limpeza até a construção de assistentes digitais como Alexa, ela está se tornando cada vez mais presente na vida cotidiana, além de se tratar de uma área inovadora em que empresas de todos os setores estão investindo.
A Química é um bom exemplo. A IA revolucionou o setor com suas funcionalidades tecnológicas que trouxeram benefícios para os profissionais da área, impulsionando, consequentemente, a pesquisa. Sua aplicação abre caminho para a criação de novos materiais, desenvolvimento de fármacos, a otimização de processos e o aumento da segurança e sustentabilidade. No Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP, são vários os grupos de pesquisa que já fazem uso dessa ferramenta que espelha o comportamento humano.
Previsão de processos bioquímicos – Júlio César Borges, Coordenador do Grupo de Bioquímica e Biofísica de Proteínas do IQSC, dedica-se à investigação do funcionamento e da estrutura de proteínas intituladas ‘chaperonas moleculares’, responsáveis por auxiliar proteínas a exercerem suas atividades.
Ocorre, porém, que nem todas elas conseguem atuar como deveriam. É aí que a IA entra para auxiliar o trabalho do grupo de Borges, identificando esse e outros comportamentos.
“A IA colabora conosco por dar suporte tanto no tratamento e coleta de dados, como na organização dessas informações. Por exemplo, para a determinação de estruturas proteicas a partir da observação no microscópio, você registra imagens de cada partícula da proteína. E você tem um bilhão de dados e tem que organizá-los e interpretá-los. Humanamente, é impossível fazer esse processo. Por isso, através de um programa computacional, a IA nos ajuda a categorizar essas imagens, que se sobrepõem umas às outras, o programa reconhece as similaridades entre si para determinar a estrutura da proteína e os locais de interação e você responde perguntas mais detalhadas de como a proteína funciona”, explica.
Em sua linha de pesquisa no IQSC, Borges também cita os estudos das chaperonas moleculares em microrganismos como o Plasmodium falciparum, agente causador da Malária, e a Leishmania braziliensis, protozoário causador da Leishmaniose. Com todos os dados coletados à base de Inteligência Artificial, os pesquisadores conseguem, muitas vezes, criar condições para facilitar o desenvolvimento de candidatos a fármacos e drogas capazes de inibir a ação dos agentes causadores de doenças.
“Temos nossas linhas de pesquisa que vão facilitar o diagnóstico e evoluir o processo de formação de profissionais em setores como de biotecnologia, por exemplo, para se criar estratégias mais eficazes para se combater os agentes de doenças, como o Plasmodium falciparum, protozoário que causa a Malária, e a Leishmania braziliensis, causadora da Leishmaniose. A ideia é compreender o papel de proteínas desses organismos e entender como elas agem dentro das células, especialmente como alvo de intervenção ou mesmo para ganhar algum tipo de benefício”, completa.
Desenvolvimento de fármacos personalizados – Um dos coordenadores do Grupo de Química Medicinal e Biológica (NEQUIMED) do IQSC, o professor Andrei Leitão concentra seus estudos no desenvolvimento de novos candidatos a fármacos:
“A IA pode ajudar a prever, por exemplo, como um potencial fármaco interage com uma proteína alvo de uma doença. Então, acaba sendo uma vertente para a predição de uma série de propriedades, como os efeitos colaterais possíveis. Determinados compostos testados causam efeitos adversos em humanos, então inviabilizam sua aplicação. A IA é uma ferramenta que vem para prever tais processos e desenvolver, muitas vezes, uma molécula de forma mais direcionada para atender as demandas”, explica Leitão.
Em um primeiro momento, o NEQUIMED, que também é coordenado pelo professor Carlos Alberto Montanari, estabelece estudos iniciais para analisar estruturas químicas de proteínas específicas de micro-organismos causadores de enfermidades como Doença de Chagas, a própria Leishmaniose, citada por Borges, e até mais recentemente a Covid-19. Em muitos desses casos, o trabalho do grupo visa entender o mecanismo de ação desses agentes dentro do organismo humano para pensar em soluções que bloqueiem tais atividades.
Nesse sentido, a IA aparece para impulsionar a qualidade nos testes laboratoriais do IQSC de maneira a economizar tempo. “Trabalhamos desde a determinação de hipóteses até novas estruturas químicas de substâncias baseadas em conhecimentos previamente adquiridos. A partir de uma hipótese, por exemplo, trabalhamos na criação de compostos inéditos, sendo que neste momento a IA entra em vários aspectos, como na síntese, na caracterização da molécula e na interação dela com uma proteína. Tudo isso é analisado para chegarmos na etapa de estudos pré-clínicos e fazermos, o que a gente chama, de prova de conceito inicial”, exemplifica o especialista.
Só que as substâncias produzidas em laboratório não podem, obviamente, representar risco nem serem tóxicas para a saúde humana. Por isso, há o caráter de seletividade na utilização da IA no dia a dia dos experimentos do grupo de pesquisa.
Os algoritmos das ‘máquinas inteligentes’ ajudam o grupo a analisar imensas quantidades de dados em um curto espaço de tempo, facilitando, assim, a conclusão dos processos. “Torna-se essencial a gente usar modelos mais abrangentes. E esses modelos mais abrangentes, por exemplo, envolvem Inteligência Artificial, porque obviamente nenhum ser humano tem a capacidade de interpretar tantas variáveis ao mesmo tempo e de forma tão heterogênea em termos de conhecimento”, opina.
A próxima etapa do trabalho diário do NEQUIMED em conjunto com a IA é intensificar até 2025 os testes para o desenvolvimento de fármacos contra cânceres de mama e de pâncreas. Já há elementos e técnicas in vitro experimentados em células e o grupo de Leitão foca neste momento no estudo do mecanismo de ação dos compostos para entender seu funcionamento e, posteriormente, iniciar o ensaio em animais.
“A nossa ideia é aplicar IA desde o começo da hipótese, passando pelo estudo pré-clínico em animais, até chegar ao estudo clínico eventual. Com isso, ganhamos tempo e a tecnologia nos serve como um grande filtro. E como vários modelos computacionais já têm sido aplicados, tudo isso vai auxiliar bastante a compreensão e o estudo de novos compostos químicos com esse potencial farmacêutico”, complementa.
Simulações e técnicas visando sustentabilidade – A Inteligência Artificial também presta suas contribuições no cotidiano do professor Juarez L. F da Silva, Coordenador do Grupo de Teoria Quântica de Nanomateriais (QTNano) do IQSC e do Programa de Design Computacional de Materiais, do Centro de Inovação em Novas Energias (CINE). O físico é especialista em Teoria Quântica de Materiais, que é o campo de estudo que combina os princípios de Mecânica com a ciência dos materiais de forma a projetar o comportamento de estruturas em escalas nanométricas.
Uma das prioridades atuais do QTNano é o foco na geração de moléculas que favoreçam o cenário das energias renováveis. Douglas William Duarte de Vargas, pesquisador de Pós-Doutorado do IQSC, traz um bom exemplo do que é feito no grupo de pesquisa.
“A vantagem da técnica utilizada no QTNano é criar diversos bancos de dados para que os algoritmos, a partir daí, interpolem e tentem prever a formação de novas combinações de moléculas que podem dar origem a materiais de interesse. E a gente está sempre focado em energias renováveis. Nesse caso específico, estamos interessados em líquidos iônicos, que são moléculas que podem ajudar a criar uma bateria mais sustentável, digamos assim”, revela o pesquisador da USP.
Juarez faz questão de reforçar que todos os projetos do QTNano possuem vínculos para a contribuição com questões energéticas e de sustentabilidade. “Nenhum projeto está fora disso. Todos giram em torno da contribuição energética, que envolve estudos de materiais para aplicação de sistemas fotovoltaicos, de energia solar, estudos de materiais para armazenamento de energia, para produção de hidrogênio. E nós temos projetos de técnicas de IA em química quântica para entender e desenvolver materiais para tais aplicações. Moléculas que podem eventualmente compor um novo material, por exemplo, para propor resoluções ligadas à questão do meio ambiente”, detalha.
Otimização de reações – Por fim, Vargas reforça o ponto de como as técnicas sofisticadas são valiosas para garantir flexibilidade nos procedimentos. Nesse sentido, a IA pode analisar enormes quantidades de dados e realizar diversos tipos de simulações, o que faz os químicos chegarem a conclusões mais rápidas e assertivas, visando sempre soluções práticas à sociedade.
“O que a gente faz é tentar fornecer respostas e direcionar caminhos a serem seguidos. Hoje, o custo para fazer um experimento passa a ser muito caro. Então, se a gente tiver uma direção mais precisa e certa, com algumas propriedades calculadas, algumas coisas já entendidas, isso acaba barateando o processo de avanço tecnológico. A gente tem a possibilidade de avançar os conhecimentos de maneira teórica através de simulações. E a IA é uma grande vantagem que a gente tem a nosso favor nesse processo”, considera o cientista.
Cuidado para o ‘feitiço não virar contra o feiticeiro’ – É importante frisar que a IA está em constante desenvolvimento e seu uso na Química exige conhecimento especializado e colaboração entre os profissionais da área, pesquisadores da computação e especialistas de outras áreas. Só que, ao mesmo tempo em que ela gera agilidade nos processos, também representa um ponto de alerta a eventuais erros que podem gerar um impacto devastador.
Os especialistas recomendam estabelecer regras e limites para o uso da IA punindo, por exemplo, responsáveis pela criação de fake news, mas sem deixar de lado a urgência de educar as pessoas, não só para o conhecimento da tecnologia, mas para o despertar do pensamento crítico.
“Se por um lado as ferramentas de IA nos fornecem muitas oportunidades, por outro teremos consequências negativas, como a substituição da força de trabalho e a possibilidade de usar IA para a propagação de fake news. Temos que considerar que o conhecimento, apesar da Inteligência Artificial, não será substituído pela inteligência incontestável do ser humano. Precisamos de pessoas que tenham senso crítico, boa formação para saber discernir aquilo que é uma informação verídica daquilo que possa ser uma informação falsa. Precisamos aprender a gerenciar esse volume de informações que recebemos e armazená-las de maneira eficaz por meio de computadores e de programas com IA”, finaliza Borges.
Por Matheus Martins Fontes e Henrique Fontes, da Assessoria de Comunicação do IQSC/USP
Contato para esta pauta (Imprensa)
Assessoria de Comunicação do IQSC/USP
E-mail: jornalismo@iqsc.usp.br
Telefone: (16) 99727-2257 – WhatsApp exclusivo para atendimento à imprensa, com Henrique Fontes