Participar da Olimpíada Brasileira de Robótica é uma experiência que promove descobertas não só às crianças e aos jovens, mas que reacende sonhos em professores, pais e voluntários
As participantes mais jovens: Sarah e Valentine participaram no nível zero da competição
Uma tem seis anos e a outra oito. Juntas, correm pelo salão de eventos da USP, em São Carlos, conduzindo nas pequenas mãos um robô neste domingo ensolarado de outono. Ao chegarem à arena de competição, a expressão no rosto das duas se transforma conforme o robô percorre seu caminho: obstáculos superados, lá vêm muitos sorrisos; fugas ou interrupções na pista, tensão nos semblantes. Ao redor delas, os olhares curiosos acompanham a cena: incontáveis smartphones tiram fotos e gravam vídeos. Certo momento, as meninas quase não resistem à tentação, mexem as mãos rapidamente no ar e assopram a pista na vã tentativa de dar uma forcinha na subida da ladeira. Quando o percurso do robô termina, Sarah Palmieri e Valentine Flório Ouchi recebem, orgulhosas, os broches marcando a primeira participação na Olimpíada Brasileira de Robótica (OBR).
A trajetória do robô das garotas chega ao fim depois de passar três vezes nas estradas das arenas, mas é muito provável que a jornada de Sarah e Valentine pela OBR esteja apenas começando. Os pais as inscreveram na etapa regional da OBR em São Carlos no nível zero, que é voltado a estudantes do 1º ao 3º ano do ensino fundamental e foi criado no ano passado para favorecer o contato, cada vez mais cedo, com o mundo da robótica. Nesse caso, não há pontuação e concorrência entre equipes, todos são premiados com broches e medalhas, pois a ideia é incentivar a participação na OBR nos próximos anos.
No nível zero, não há pontuação e concorrência entre equipes, todos são premiados com broches e medalhas
A proposta já está gerando bons resultados: a primeira equipe nível zero que participou de uma OBR no ano passado – formada por Caleb e João – voltou à competição este ano, dessa vez para competir no nível 1, que é voltado a alunos do 1º ao 8º ano do ensino fundamental. Tal como no ano passado, o técnico foi o pai deles, o desenvolvedor de software Jefferson Pereira Cezar, que inscreveu o time na categoria equipe de garagem, destinada à participação de grupos independentes, que não estão vinculados a uma escola.
João e Caleb: primeira equipe a participar da OBR no nível zero voltou à competição este ano no nível 1 (veja o depoimento dos dois na reportagem da EPTV: icmc.usp.br/e/9bd74)
“Diferente de muitos outros times, nós somos uma equipe de garagem, limitada a um espaço com área de pouco mais de 10 metros quadrados que, nos dias de sol, é quente pra chuchu e, nos dias de chuva, temos que desviar das goteiras. Mas nada disso impede que a gente se reúna todos os sábados para desenvolver alguma coisa que seja útil e divertida”, explica
o torneiro mecânico Carlos Renato da Silva. Ele criou o clube de ciências “O mundo das invenções”, em Batatais, no interior de São Paulo, e formou uma equipe que participou da OBR este ano pela primeira vez também na categoria equipe de garagem. Fazem parte do time o filho de Carlos – José Renato Pereira da Silva, 11 anos – e mais três amigos: Henrique Ferreira de Carvalho e Heitor Silva Santana, ambos com 11 anos, e Matheus Henrique Ferrão, 12 anos.
Sentados em uma mesa no salão de eventos da USP, logo depois que o simpático robô que criaram participa da terceira rodada da OBR, explicam entusiasmados todos os componentes que usaram para construir Simprão, nome que deram ao robô porque ele é simples, mas nem tanto: resultado de um ano de muito trabalho e de aprimoramentos em versões desenvolvidas anteriormente. O que mais chama a atenção em Simprão é uma peça redonda: “Tentamos usar baterias menores, mas não davam conta. Então, compramos uma parafusadeira e retiramos a bateria de lítio de 12 volts para usar no robô”, explica José Renato. “Assim, depois a gente pode desmontar, colocar a bateria de volta na parafusadeira e usá-la normalmente”, completa Henrique.
Simprão e sua bateria proveniente de uma parafusadeira (é o cilindro à direita com a foto do He-Man)
Os garotos contam ainda que a estrutura amarela que sustenta Simprão foi construída em uma impressora 3D que Carlos comprou. “É feita em plástico ABS, que é um derivado do petróleo. Se usássemos um plástico biodegrável, como o PLA, teríamos problemas para fazer os furos e encaixar as peças porque o calor faria o material derreter”, revela José Renato. É assim durante toda a conversa: os garotos vão apresentando os componentes que fazem parte do robô e, quando usam um termo técnico, logo tentam encontrar um jeito de explicá-lo usando comparações de forma que até alguém formado na área de humanas – tal como a jornalista que os ouve – possa compreender. Mal sabem esses garotos quanto conhecimento compartilharam ali, nos poucos minutos que conversamos. Conceitos da área de eletrônica, mecânica, programação e até de sustentabilidade são, para eles, tão básicos quanto quaisquer outros que aprendemos nos primeiros anos do ensino fundamental.
Aliás, há um aspecto comum que permeia o relato de todas as crianças e jovens que participam da OBR: eles têm habilidades para explicar conceitos científicos de um jeito descomplicado, defendem seus pontos de vista com afinco e carregam nas expressões faciais e no olhar os sinais típicos de quem vibra e se empolga diante das descobertas e da superação de desafios. De fato, entre os maiores legados da OBR está esse potencial para despertar, nas crianças e jovens, o encanto pela busca do conhecimento, levando-os a se divertir nesse processo de uma maneira que jamais vão querer interrompê-lo. Professores, pais, parentes e voluntários que têm o prazer de acompanhar as crianças e jovens nessa jornada sabem o quanto ela é emocionante.
Equipe Mundos das Invenções e o robô Simprão
Uma nova cultura desperta – Adam Moreira é voluntário da OBR desde a primeira edição da etapa regional em São Carlos, em 2014. Naquele ano, 99 equipes de escolas públicas e privadas da região se inscreveram na competição e 70 compareceram ao evento. Na época, Adam fazia mestrado no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, e destacava,
na reportagem publicada no site do Instituto, que participar da competição ajudava as crianças a desenvolverem o raciocínio lógico.
Depois de seis anos, Adam conta que as mudanças que viu aconteceram na região vão muito do evidente aprimoramento na organização local do evento e das alterações implantadas nacionalmente, tal como a criação do nível zero, a abertura à participação de equipes de garagem, a inserção de novas regras à competição, incluindo marcadores e desafios surpresa. Para ele, ao longo dos anos houve uma verdadeira transformação cultural: “A robótica deixou de ser um diferencial. Hoje, as escolas da região que não oferecem atividades nessa área estão ficando para trás.”
Adam diz que a realização da etapa regional da OBR em São Carlos contribuiu muito para o desenvolvimento de uma cultura ligada à robótica na cidade, a qual se espalhou por outros municípios do entorno. A competição se tornou, assim, uma indutora da cultura robótica nas escolas de ensino básico da região. A etapa regional é um evento em que assistimos aos benefícios que podem ser alcançados quando os conhecimentos gerados nas universidades públicas de uma cidade – nesse caso, na USP e na UFSCar – são compartilhados com as escolas públicas e particulares.
Tabela mostra o número de equipes inscritas na OBR desde 2014, quando aconteceu a primeira etapa regional da competição em São Carlos
“Em 2014, quem participava da competição tinha muito pouco conhecimento sobre robótica, não questionava os juízes e não argumentava. Agora, o nível de conhecimento das crianças e jovens é muito maior: eles querem saber tudo, perguntam detalhes técnicos sobre as provas e sabem explicar conceitos muito mais complexos”, conta a professora Roseli Romero, do ICMC, que coordena a etapa regional da OBR em São Carlos desde 2014.
Atuando como chefe da equipe de juízes da competição em São Carlos, Adam sentiu na pele essa transformação. “Eu tive que me qualificar para poder acompanhar o desenvolvimento das crianças. Em 2014, por exemplo, eu não tinha conhecimentos avançados sobre o kit Arduino. Ao longo dos anos, muitas equipes passaram a usar esse kit e eu precisei estudar mais”, diz o pós-graduando, que está prestes a concluir o doutorado no ICMC. Para poder solucionar todas as dúvidas dos times durante a competição, ele precisou fazer várias reuniões preparatórias com a equipe de juízes, já que, agora, qualquer equívoco no registro dos pontos é questionado, pois muitas crianças leem o manual de regras e instruções da OBR e o carregam debaixo do braço para a arena.
Aprendendo novas estratégias – Repleto de post-its coloridos e frases destacadas com canetas marca-texto fluorescentes amarelas, verdes, laranjas, rosas e azuis, o manual de regras e instruções que Sara Casatti levou à etapa regional da competição em São Carlos é um exemplo do quanto as crianças se esforçam para obter bons resultados. Segundo ela, a conquista do primeiro lugar no nível 1 da competição no domingo, dia 16 de junho, só foi possível por causa da estratégia adotada pela equipe. “Um robô nunca é perfeito. Então, você precisa conhecer no que ele é bom e no que ele é ruim. Assim, você pode pensar nos locais mais estratégicos para colocar os marcadores ao longo da pista”, ensina.
Sara colocando os marcadores estrategicamente na arena
Para quem nunca competiu na OBR, tal como eu, não é simples compreender o que essa garota de 11 anos está explicando. Confesso que fiz muitas perguntas a ela, enquanto comemorávamos a conquista tomando um sorvete, e no dia seguinte, enquanto a levava à escola. Nesses bate-papos, fui entendendo que o robô pode tentar superar um desafio três vezes – como passar por um ponto em que a pista desaparece ou em que há um redutor de velocidade. Se ele não conseguir, pode desistir e continuar andando na pista a partir do ponto em que a equipe colocou a marcação. Cada desafio ultrapassado rende pontos e, ao transpor o local onde a marcação foi colocada, o time ganha 60 pontos automaticamente.
Então, a equipe de Sara chegava à arena sorteada para competir alguns minutos antes de entrarem em campo. Discutiam juntos onde deveriam colocar os marcadores a fim de maximizar o ganho de pontos. Como o robô já estava programado para identificar a linha a ser percorrida bem como ultrapassar falhas e outros desafios, o grupo optava por inserir os marcadores logo depois de obstáculos que o robô não havia sido programado para superar. Assim, se conseguisse ultrapassar esses pontos críticos, o time ganharia automaticamente 60 pontos. Por outro lado, se não fosse capaz de superá-los, após três tentativas, o grupo podia tocar no robô e colocá-lo depois do obstáculo, no local indicado pelo marcador, de onde era possível continuar a trajetória.
Fiquei pensando em quanto a estratégia usada pela equipe de Sara estava relacionada com os mecanismos que usamos para ensinar nossos filhos. Eles também não são perfeitos, têm habilidades e limitações como qualquer outro ser humano. Se a gente os estimula a enfrentar novos desafios, eles podem seguir adiante na vida e ganhar muitos novos conhecimentos. Mas não adianta insistir para que ultrapassem obstáculos maiores do que aqueles que são capazes de superar. Se notarmos um grau elevado de dificuldade, podemos pegá-los nas mãos e levá-los até a próxima fase da jornada. De lá, eles prosseguirão pela estrada da vida e vão enfrentar novos desafios. Conhecendo-os bem, seremos capazes de dar as mãos a eles, caso precisem de um apoio para seguir adiante. Está aqui mais um exemplo do quanto a robótica pode despertar em nós novos conhecimentos: ser uma melhor educadora é só um deles.
Este ano, as escolas públicas que tiveram times melhor classificados no nível 1 e 2 da etapa regional da OBR em São Carlos ganharam kits robóticos Arduino, que foram doados pelo Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria e pela EPTV. A escola estadual Antonio Militão de Lima foi uma das contempladas, já que uma das equipes treinadas pela professora Eliane Botta conquistou o oitavo lugar no nível 1 e se classificou para a etapa estadual da competição, que ocorrerá dia 31 de agosto no Centro Universitário da FEI, em São Bernardo do Campo. Os alunos de Eliane Botta participam do evento desde 2014, ano em que um dos times da escola chegou à final nacional da OBR (l
eia mais).
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Confira as equipes medalhistas na etapa regional da OBR em São Carlos
Nível 1
Medalha de ouro: Pull_Down – Yadaa (São Carlos)
Medalha de prata: O round já começou (Araras)
Medalha de bronze: Legonel – Yadaa (São Carlos)
Nível 2
Medalha de ouro: Iron Robots (Franca)
Medalha de prata: Tigers Team 1 (Novo Horizonte)
Medalha de bronze: Duck to Space – Yadaa (São Carlos)
Nível zero
Grok Team (Equipe de garagem – São Carlos)
Nível 1
Medalha de ouro: Oca Robótica I (São Carlos)
Medalha de prata: Atomikos Jr. 2 (Limeira)
Medalha de bronze: Super Genius 1 (Indaiatuba)
Nível 2
Medalha de ouro: Orc Alfa (Rio Claro)
Medalha de prata: Atomikos Jr. (Limeira)
Medalha de bronze: Akomitos (Limeira)
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2014