Hackathons e disputas de inovação invadem o setor e contribuem para o desenvolvimento de alunos e profissionais,
ackathon da Globo: evento contou com a participação de vários alunos do ICMC
(crédito: Richard Duchatsch Johansen)
Quem está por dentro da área de tecnologia tem notado que, cada vez mais, as competições estão se tornando tendência no Brasil. Influenciadas pelos ideais de inovação que tomaram conta da área nos últimos tempos, as diversas competições vêm se popularizando nas universidades e no mercado. Hackathons, programas de aceleração de startups e até mesmo competições internas nas universidades possuem vários aspectos em comum, embora tenham objetivos distintos.
Para que houvesse essa popularização, mudanças foram acontecendo em todo o ambiente da tecnologia. “O aluno está mais conectado, a tecnologia em constante evolução, as empresas à procura de bons profissionais e o mercado aquecido. Tudo isso cria um ambiente bastante propício a esse tipo de competição”, explica a professora Ellen Francine, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos.
As mudanças nos alunos, em especial, se relacionam com o aumento do interesse em empreender e, segundo a professora Ellen, é observado um crescimento significativo nos últimos anos: “Lá atrás a gente não via essa ideia de próprio negócio, era ‘eu quero ir pra uma grande empresa, crescer lá dentro’. Hoje, a gente vê isso de uma forma muito mais clara, já com alunos que estão ingressando”.
A equipe de Caio (em pé, à direita) durante o Hackathon da Globo
(crédito: Richard Duchatsch Johansen)
Criatividade e aprendizado – Mas o que são essas competições? Como elas funcionam? Passar 30 horas de um fim de semana estudando sem intervalos não é, exatamente, o plano ideal de ninguém. Mas passar o mesmo período desenvolvendo um protótipo que pode resolver um problema importante e, ao mesmo tempo, conhecer outras pessoas, aprender coisas novas e ainda ganhar uns prêmios parece interessante, não é mesmo? É assim que funcionam os hackathons.
Esses eventos são “maratonas de programação”, organizados por empresas, órgãos públicos ou grupos independentes a fim de encontrar soluções para um problema específico por meio do desenvolvimento de protótipos. Os hackathons têm crescido, em especial, graças à cultura de softwares e hardwares livres.
Existem diversas vantagens em participar, principalmente por causa do aprendizado. “A primeira vez que eu ouvi falar de
Arduino e
Raspberry Pi foi num hackathon. Então, independentemente da área, você acaba conhecendo coisas novas, ferramentas novas”, explica Eder Santana, aluno de Bacharelado em Matemática do ICMC.
Já Caio Lopes, aluno de Engenharia de Computação do ICMC, acredita que é a intensidade do aprendizado que realmente faz a diferença. “Se você decidir experimentar um conhecimento novo, você ganha uma energia a mais no hackathon. Eu estava aprendendo Android básico em um hackathon e saiu um aplicativo legal. Foi um salto muito grande, que eu não teria se decidisse estudar em um fim de semana”, ele conta.
Caio foi um dos alunos do ICMC que participaram da edição mais recente do
Hackathon da Globo, realizado em maio, em que o tema era
O futuro da produção e distribuição de conteúdo em jornalismo, esportes e entretenimento. Nesse evento, um dos mentores era Bruno Lemos, formado em Bacharelado de Sistemas de Informação no ICMC e
campeão da edição de 2016.
Em 2017, outro Bruno se destacou na competição da Globo. Formado em Ciências de Computação, Bruno Orlandi fez parte da equipe que ficou em segundo lugar. “No ICMC, os trabalhos em grupo e conceitos como aprendizado de máquina me ajudaram no hackathon. Foi no Instituto que comecei a reunir um time e focar para programar algo. Por isso, os alunos do ICMC se destacam nessas competições”, diz.
Seu grupo desenvolveu um
chatbot para interagir com as notícias do portal G1. Ao conectar com o Facebook, o usuário poderia fazer perguntas relacionadas à Operação Lava-jato, de depoimentos de políticos a empresas envolvidas. O
chatbot identificava o contexto das perguntas e buscava, no acervo de notícias, a resposta correta. “A Globo está preocupada com a inovação e traz o público jovem para ajudar a criar novas ideias para o futuro”, explica Orlandi.
Essa imersão em um ambiente de inovação e criatividade não beneficia somente quem participa de um hackathon. A rede de contatos desenvolvida nesses eventos pode ser bastante vantajosa. “Eu conheci o CEO da Motorola, por exemplo. Um amigo meu conseguiu um estágio na Motorola porque o orientador dele conhecia um dos organizadores. Nos bons hackathons, na hora de fazer a apresentação, terá uma galera que vai querer financiar seu projeto, você ganhando ou não”, explica Eder. Ele conta que dezenas de iniciativas foram financiadas durante um hackathon na última Campus Party.
Bruno Orlandi (à esquerda) e sua equipe ficaram em segundo lugar no último Hackathon da Globo
(Crédito: Richard Duchatsch Johansen)
Riscos e contratempos – Mas será que tudo é vantajoso nesse universo? Alguns organizadores distorcem os propósitos dos hackathons em benefício próprio. Uma das principais críticas dos participantes envolve a realização de um evento para solucionar um problema específico. “Tem empresa que pensa assim: vamos comprar umas pizzas com o dinheiro dos participantes para resolver nosso problema”, diz Eder. Sua opinião é compartilhada por Caio, que acrescenta a questão da propriedade intelectual. “Alguns regulamentos falam que o código é direito da empresa e não do grupo que fez. A maioria dos participantes não gosta muito disso”, explica.
Outro aspecto que tem sido levantado sobre essas disputas é a multidisciplinaridade dos eventos. Muitos organizadores divulgam seus hackathons apenas para programadores, o que acaba limitando o potencial criativo da iniciativa. Segundo Eder, uma boa equipe é dividida em três partes: a que pensa no negócio e na aplicação da ideia no mercado; a que vai criar, desenvolver o software e o hardware; e a de design, que vai transformar a ideia em um produto de verdade. “Eu acho que pluralidade é muito bom porque nem sempre a pessoa da área de programação sabe o que realmente funciona. Eu vejo, em vários hackathons, uma equipe de cinco desenvolvedores capazes de fazer qualquer projeto que entregarem para eles, mas não conseguem pensar num projeto viável”, ele afirma.
Apesar de concordar com a ideia, Caio é mais cauteloso com essa mistura de áreas. “Desenvolvedor pensa de um jeito muito diferente do que um usuário. Então, dependendo da área, ter uma pessoa de fora ajuda demais. Só que, querendo ou não, as 30 horas são mais voltadas para desenvolver o protótipo. Qualquer outra área vai entrar como business, porque ajudará na ideia e a vendê-la. Eu fico muito bravo quando vou a um hackathon que o cara apresenta slide e não um protótipo”, explica.
Será que esses pontos negativos não ameaçam os hackathons? Eder acredita que os aspectos positivos são mais importantes. “Na competição da Serasa, aqui em São Carlos, eles queriam adaptar melhor o mercado de varejo aos cegos. E isso era muito legal, tinha um benefício social”. Ele conta, também, que participou de uma competição sobre agricultura urbana, em que eram buscadas alternativas para plantar comida na cidade. “No geral, os bons hackathons que eu vi têm desafios no sentido de ajudar as pessoas. Elas vão comprar essas soluções, claro, mas você está ajudando de alguma maneira”, conclui.
Startups e programas de aceleração – Formado em Ciência da Computação pelo ICMC, Filipe Grillo faz parte da equipe que criou a startup Arquivei. Ela surgiu no fim de 2013 e foi desenvolvida por um grupo do qual participam outros ex-alunos do Instituto. A startup desenvolveu uma ferramenta online que consulta e armazena todas as notas fiscais emitidas por uma empresa, facilitando a organização e evitando a perda de documentos importantes.
Neste mês de julho, Filipe vai para os Estados Unidos com mais dois funcionários da empresa passar duas semanas no Google. Essa viagem é a primeira parte do LaunchPad Accelerator, programa de aceleração de startups do Google que tem duração total de seis meses. A Arquivei tentou participar da edição anterior do programa, mas não foi selecionada.
Participar de programas de aceleração é uma alternativa para as startups encontrarem soluções e crescerem. Esses programas são criados por grandes empresas ou bancos por meio de um processo seletivo. Eles escolhem as startups que acreditam possuir soluções inovadoras e possam gerar valor. Nem todos os programas possuem as mesmas contrapartidas: enquanto alguns exigem participação nos lucros, outros desejam apenas trazer para dentro das empresas o viés empreendedor natural das startups, além de solucionar alguns de seus problemas. Em troca, cedem especialistas em diversas áreas para aconselhar no crescimento delas e investem dinheiro.
O programa do Google, em especial, não exige nenhuma participação acionária nas empresas. “Eles ganham tendo contato, podem trocar conhecimento entre seus engenheiros e as startups”, afirma Filipe. Mesmo assim, ele acredita que vai ser uma experiência única. “Nessas duas semanas de viagem, vamos poder conversar com os engenheiros do Google e eles vão nos apresentar mentores que nos ajudarão a acelerar. Depois, de tempos em tempos, eles nos mandam tarefas para irmos na direção do crescimento indicado”, explica.
Mas alguns programas não são tão benéficos para as startups. Filipe, inclusive, quase participou de um: “era um programa de aceleração com um contrato extremamente agressivo. Eles se reservavam ao direito de pegar uma porcentagem grande da sua empresa por um valor baixo, algo muito vantajoso para o programa mas nem um pouco para as startups. Tem que tomar muito cuidado com esses contratos de aceleração”, afirma.
Por isso, Filipe revela que existem outras formas para uma startup crescer sem precisar competir nesses programas. “Aceleração é importante para ter mentoria e aprender a passar pelos desafios mais rápido. Se você está precisando do dinheiro, exclusivamente, é melhor buscar um fundo de investimento ou um investidor-anjo”, conta.
No contexto da universidade – Como a universidade se relaciona com esse universo? No Brasil, a maioria dos hackathons costumam ser organizados por empresas e órgãos públicos. O ecossistema das startups, por mais que envolva os alunos, ainda não inclui totalmente o meio acadêmico.
“Nos Estados Unidos, a vertente de hackathon é muito mais forte. Aqui, só empresa organiza, não vejo hackathons universitários”, afirma Caio, que participou pela primeira vez de uma dessas competições enquanto fazia intercâmbio. A
Major League Hacking, por exemplo, é uma organização de estudantes norte-americanos que apoia hackathons universitários em todo o país, com foco na troca de ideias e ambiente mais comunitário.
“Eu vi que os próprios alunos e universidades têm uma movimentação com relação a isso, até ligado ao movimento
maker, que tem esse espírito de querer fazer, construir as coisas. O hackathon cria esse contexto num fim de semana, de sair da inércia e botar a mão na massa. Isso que eu sinto falta na universidade”, diz. Ele acredita que, no Brasil, durante a graduação, existe pouco espaço para iniciativas como essas, já que os alunos são sobrecarregados de provas e trabalhos. Para mudar essa cultura, Caio pretende organizar, em parceria com a Semana de Engenharia de Computação do ICMC, um hackathon durante todo o evento, aproveitando a ausência de aulas no período.
As startups também estão se relacionando mais com a universidade. “A gente sempre vem aqui dar palestra, curso, essa proximidade é muito boa, e acho que até poderia ter mais”, diz Filipe, da Arquivei. “Temos uma agência de inovação na USP, porque a tendência é trazer as startups para dentro da universidade. É isso que a gente espera: motivar a empresa a vir e ter desafios, criar esse ambiente propício para que a gente estimule o desejo de empreender no aluno”, afirma a professora Ellen.
A universidade ainda possibilita que outros tipos de competição aconteçam. Cada vez mais, os docentes estão procurando empresas para que elas proponham desafios relacionados às disciplinas. É o caso da
Siena Idea que, em parceria com o Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI), promoveu o
Be an Icon, uma competição para o desenvolvimento de softwares relacionados aos
beacons, dispositivos que podem ser utilizados como sinalizadores de produtos e de locais.
Quem também se aventura pelos desafios de tecnologia são os alunos de pós-graduação do ICMC. Orientados pelo pós-doutorando Humberto Brandão, que ministra a disciplina de Inteligência Artificial Aplicada, mestrandos e doutorandos do Instituto se classificaram para a etapa final do
Data Science Game, a maior competição de ciência de dados do mundo. Ele acredita que essa área se beneficia muito com esses eventos: “Hoje em dia se tornou muito mais fácil a gente aprender conceitos novos participando dessas competições, porque existe ali uma rede social de cientistas de dados trocando informações”.
Para Humberto, participar de desafios como esse, bem como de hackathons e outras competições, é de suma importância porque possibilita aos estudantes aplicar toda a teoria que aprendem durante o curso, vislumbrando soluções que são úteis para algum tipo de comunidade. “Isso motiva muito os alunos que estão trabalhando, porque eles veem de maneira concreta como podem ajudar o mundo”, finaliza.
Partipantes do
Ideas for Milk, realizado no ano passado (crédito: Renan Alcântara)
Texto: Alexandre Wolf – Assessoria de Comunicação ICMC/USP
Mais informações
Assessoria de Comunicação do ICMC: (16) 3373.9666
E-mail: comunica@icmc.usp.br