Composto de esponja marinha tem potencial para eliminar parasita da malária

Em testes de laboratório e com animais, alcaloides derivados de esponjas marinhas mostraram ação contra cepas resistentes de malária

Mosquito Anopheles, que infecta os seres humanos com o protozoário causador da malária, o Plasmodium, por meio da picada; surgimento de cepas mais resistentes do parasita motiva busca por novas alternativas terapêuticas – Foto: Divulgação/ IFSC

Uma nova esperança no combate à malária pode surgir a partir das profundezas do oceano, já que um grupo de pesquisadores brasileiros identificou compostos naturais extraídos de esponjas marinhas com potente ação contra o Plasmodium, protozoário causador da malária. O estudo, descrito em artigo publicado na revista ACS Infectious Diseases, destaca os alcaloides guanidínicos chamados batzeladinas F e L, isolados da esponja Monanchora arbuscula, coletada no litoral do Brasil, como candidatos promissores para o desenvolvimento de novos antimaláricos. Os compostos estudados apresentaram uma ação rápida e potente, com inibição do parasita em menos de 24 horas após a exposição.

Roberto Gomes de Souza Berlinck - Foto: Lattes

Roberto Gomes de Souza Berlinck – Foto: Lattes

No trabalho, os alcaloides mostraram-se eficazes não só em cepas sensíveis do protozoário, mas também contra variantes resistentes do Plasmodium falciparum, o mais letal entre os cinco tipos de parasitas que causam a doença em humanos. Os compostos exibiram moderada toxicidade em células humanas e bons índices de seletividade, um parâmetro importante na avaliação de candidatos a fármacos. A pesquisa é resultado de uma colaboração entre cientistas de diferentes instituições brasileiras, e faz parte do projeto temático coordenado pelo professor Roberto Berlinck, do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP, autor correspondente ao artigo, junto com o pesquisador principal do projeto, o professor Rafael Guido, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP.

Giovana Rossi Mendes – Foto: Reprodução/ Linkedin

“Esse perfil de ação é comparável ao do artesunato, um dos medicamentos mais utilizados atualmente”, afirma a pesquisadora Giovana Rossi Mendes, primeira autora do estudo. As batzeladinas foram testadas em diferentes estágios do ciclo do parasita e mantiveram sua eficácia tanto em cepas sensíveis quanto em variantes resistentes a medicamentos, como cloroquina e artemisinina. Também foram eficazes contra isolados clínicos de Plasmodium falciparum e Plasmodium vivax, coletados na região amazônica brasileira, em testes com células extraídas de organismos vivos (ex vivo). Em modelo in vivo, utilizando camundongos infectados com Plasmodium berghei, o composto batzeladina F reduziu a quantidade de parasitas no sangue em até 94% e aumentou significativamente a taxa de sobrevivência dos animais.

Esponja marinha Monanchora arbuscula, de superfície irregular, nas cores verde-claro e rosa, ao lado da representação gráfica das batzeladinas, em que uma sequência de pequenas esferas interligadas nas cores amarela, azul e vermelha simbolizam os átomos e as ligações químicas da molécula

Presente no litoral brasileiro, esponja marinha Monanchora arbuscula (à esquerda) é fonte das moléculas de alcaloides guanidínicos batzeladinas F e L, testados para eliminar o parasita causador da malária – Foto: Divulgação/ IFSC

Novos fármacos

Na busca por entender como os compostos agem no parasita, os cientistas realizaram simulações computacionais que sugerem que as batzeladinas podem atuar inibindo a proteína transportadora de nucleosídeos PfENT1, essencial para a sobrevivência do Plasmodium. Essa hipótese pode explicar a rápida ação dos compostos e a ausência de resistência cruzada com os medicamentos atualmente disponíveis. Apesar dos resultados animadores, os autores alertam que ainda são necessárias mais pesquisas antes que os compostos possam ser usados em humanos, já que os achados indicam que os derivados de batzeladinas são candidatos promissores para programas de desenvolvimento de novos antimaláricos inspirados na natureza.

O professor do IFSC ressalta que o trabalho caracterizou, após extensa pesquisa, uma nova classe de moléculas capaz de matar seletivamente o parasita causador da malária e que foram ativos contra as cepas resistentes também. “O problema de resistência é muito grave em doenças infecciosas, por isso quando uma molécula se mostra ativa em variantes resistentes, como foi neste caso, isso é sempre uma boa notícia”, destaca. “As moléculas foram ativas contra o parasita que causa a forma mais grave da doença, Plasmodium falciparum, e também contra o parasita que é o que causa o maior número de casos no Brasil, o Plasmodium vivax.

A malária é causada por protozoários do gênero Plasmodium, transmitidos pela picada do mosquito Anopheles. Entre os cinco tipos que podem infectar humanos, o Plasmodium falciparum é o mais perigoso, responsável pela maioria das mortes. Os sintomas incluem febre alta, calafrios, dores no corpo e, em casos mais graves, podem levar à morte se não forem tratados rapidamente. Os tratamentos atuais envolvem combinações de medicamentos, como derivados da artemisinina, mas o surgimento de cepas resistentes tem se tornado uma preocupação crescente em todo o mundo, daí que a busca por novas alternativas terapêuticas se tornou uma urgência científica. O artigo Marine Guanidine Alkaloids Inhibit Malaria Parasites Development in In Vitro, In Vivo and Ex Vivo Assays foi publicado na revista científica ACS Infectious Diseases.

Texto: Rui Sintra, da Assessoria de Comunicação do IFSC
Texto: Redação – Adaptado por Júlio Bernardes

Arte: Gustavo Radaelli – Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

Jornal da USP

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