Dez anos na capital da tecnologia: a trajetória do festival Pint of Science no Brasil

Para marcar o aniversário da chegada ao país, a cidade de São Carlos promoverá também um pré-evento nos dias 17 e 18 de maio, na Praça XV, com diversas atrações gratuitas para crianças, jovens e suas famílias

 

Em 2025, pela primeira vez, São Carlos contará com um pré-evento no fim de semana dos dias 17 e 18 de maio, com diversas atrações voltadas para crianças, jovens e suas famílias. Tudo acontecendo na Praça XV de forma gratuita e sem inscrições prévias.

 

Em 2015, quando o Pint of Science chegou ao Brasil por iniciativa do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, o mundo era outro e a ciência ainda era vista, por muitos, como algo distante do dia a dia. Dez anos e uma pandemia depois, o festival de divulgação científica não apenas comprovou sua importância ao aproximar a ciência das pessoas, como cresceu de forma exponencial: de uma edição tímida na cidade são-carlense, transformou-se em um evento que hoje alcança 169 cidades, de norte a sul do país.

Peça fundamental para a chegada do festival ao Brasil, a jornalista Denise Casatti, que em 2014 já era analista de comunicação do ICMC, descreve a sensação de fazer parte desse processo: “Foi um chute no escuro, a gente não sabia o que ia dar. Ver o Pint of Science Brasil se tornar o maior do mundo em número de localidades participantes é simplesmente emocionante”.

A história começou por acaso: “Eu estava preparando uma reportagem sobre a visita de uma delegação da Universidade de Bath, do Reino Unido,  ao ICMC. Entrei no site para buscar informações e me deparei com esse evento de divulgação científica em bares, os famosos pubs ingleses. Achei a proposta genial e pensei na hora: isso tem tudo a ver com o povo brasileiro. Imagina discutir ciência num bar?”, relembra a jornalista.

No ano seguinte, durante uma busca por informações no site de uma outra universidade britânica, Denise se deparou novamente com informações sobre o Pint of Science, foi quando descobriu que se tratava de um evento que acontecia em vários países. Então, o acaso se transformou em missão e ela resolveu escrever diretamente para Michael Motskin, um dos fundadores da iniciativa e coordenador mundial do festival na quela época: “Ele me respondeu super receptivo, agradecendo o interesse e dizendo que seria ótimo trazer o Pint para o Brasil. Mas avisou que já estava muito perto da data, faltavam uns 50 dias, e, geralmente, só abriam um novo país se houvesse ao menos duas cidades participando”.

Mesmo assim, ela não desistiu. Argumentou que São Carlos, conhecida como polo de inovação e tecnologia, seria o lugar ideal para lançar o festival no país. “Defendi que, se começássemos por aqui, a ideia iria se espalhar. E propus realizar o evento em mais de um local dentro da cidade, com bate-papos simultâneos e temas variados, já no formato de um verdadeiro festival”, conta. A proposta foi aprovada e os criadores do festival de ciência autorizaram a realização do evento.

Então, a jornalista procurou o diretor do ICMC da época, professor Alexandre Nolasco, em busca de institucionalizar o evento. “Eu nunca quis que o festival fosse um projeto pessoal. Queria que fosse uma iniciativa pública, que pudesse ser levada adiante por pessoas de várias instituições”, explica. Assim, em maio de 2015, São Carlos se tornou a primeira cidade da América Latina a realizar o Pint of Science, com seis bate-papos distribuídos em dois locais diferentes ao longo de três noites, respeitando a estrutura original do festival.

 

Completando uma década no Brasil, o Pint of Science aconteceu pela primeira vez na cidade de São Carlos em 2015 (crédito da imagem: ICMC/USP)

 

O festival se espalha – Depois do sucesso da edição inaugural, Denise ligou para João Henrique Rafael Junior, amigo e comunicador científico do Instituto de Estudos Avançados da USP em Ribeirão Preto, que rapidamente topou organizar o evento por lá. A notícia se espalhou e, até o final de 2015, várias instituições já haviam manifestado interesse em participar. “Em dezembro, realizamos um workshop com representantes dessas instituições. Sete cidades toparam o desafio e realizaram o evento em 2016. A partir daí, a expansão foi rápida”, lembra.

Em 2016, além de São Carlos, aderiram ao festival Belo Horizonte, Campinas, Dourados, Ribeirão Preto, Rio de Janeiro e São Paulo, e a bióloga e divulgadora científica Natália Pasternak assumiu a coordenação nacional do evento. Em São Carlos, a iniciativa mobilizou cerca de 800 pessoas que curtiram uma  programação com temas como zika vírus, ensino e aprendizagem de matemática e empreendedorismo.

No ano de 2018, em um cenário político polarizado, o Pint de São Carlos promoveu debates sobre fake news, febre amarela, Parkinson e a segurança das urnas eletrônicas, reforçando o papel da ciência como instrumento de cidadania. No ano seguinte, diante dos cortes de verbas e ataques ao conhecimento, o lema “A ciência resiste” sintetizou o espírito da edição de 2019 de São Carlos. Foi neste ano também que o Brasil passou a ter o maior Pint of Science em número de localidades participantes: foram 86 cidades brasileiras.

 

Temas como robótica e inteligência artificial já estavam em pauta na primeira edição do Pint of Science em São Carlos (crédito das imagens: ICMC/USP)

 

A pandemia de Covid-19 chegou impondo distanciamento social e, com isso, o Pint precisou se reinventar. Em 2020, 2021 e 2022, a programação passou a ser totalmente virtual. “A gente sofreu, porque o formato online não tinha o mesmo impacto. O encontro cara a cara, o clima do bar, a conversa espontânea, tudo isso se perdeu”, comenta Denise. Ainda assim, o evento manteve sua essência e expandiu seu alcance digitalmente, com temas relevantes e instigantes, entre eles, debates sobre a destruição da Amazônia e sobre as rochas microbianas.

Dos bares à praça pública – Após um hiato em 2023, o Pint of Science em São Carlos retomou sua força em 2024, saindo dos bares para se estabelecer na Praça XV, no centro da cidade. Com apoio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia, que destinou recursos do Fundo Municipal de Apoio à Ciência, Tecnologia e Inovação (FACIT), foi possível montar a estrutura do festival na praça pública, com uma grande tenda, cadeiras e palco para promover os bate-papos ao ar livre. “Ao mudar o festival para a praça pública, conseguimos responder a uma crítica importante: a de que, embora gratuito, o evento ainda era pouco acessível. Nem todo mundo se sente à vontade para ir a um bar, especialmente se não pode consumir nada. Por mais que reforçássemos que não era necessário gastar, as pessoas se sentiam intimidadas. Na praça, isso muda. É um espaço verdadeiramente público, onde todos se sentem pertencentes”.

 

Em 2024, o Pint of Science ocupou a praça central de São Carlos, tornando o evento mais acessível (crédito da imagem: ICMC/USP)

 

Além da mudança de cenário, a edição de 2024 do Pint inovou ao levar a ciência para o cotidiano da população por meio da ação Ciência em Movimento. Cerca de 60 pesquisadores da USP e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) circularam pelos ônibus do transporte coletivo da cidade, conversando diretamente com passageiros sobre suas pesquisas e o papel das universidades públicas.

Uma nova geração de cientistas – Em 2025, pela primeira vez, o Pint de São Carlos contará com um pré-evento no fim de semana dos dias 17 e 18 de maio, com diversas atrações voltadas para crianças, jovens e suas famílias. Também realizadas na Praça XV de forma gratuita e sem necessidade de se inscrever, as atividades acontecerão no sábado, dia 17, das 10 às 17h30; e no domingo, dia 18, das 14h30 às 18h30.

A proposta é inspirada em eventos similares já realizados em outras partes do mundo, chamado Pint of Milk. Em São Carlos, a ideia é promover uma verdadeira festa de aniversário da ciência, com oficinas de slime, impressão 3D, pintura com tintas naturais, exposição de meteoritos e muito mais. “Incluir atividades para crianças é uma forma de mostrar que a ciência pertence a todos, em todas as idades e espaços. Nosso objetivo é cultivar a curiosidade e o pensamento crítico desde cedo, aproximando a pesquisa do cotidiano das pessoas”, destaca o professor Danilo Manzani, do Instituto de Química da USP São Carlos (IQSC), e um dos coordenadores do Pint of Science de São Carlos.

Com o crescimento do festival, nasceu também a necessidade de envolver mais pessoas na organização. Para isso, foi criada uma atividade de extensão que selecionou 18 estudantes de graduação de diferentes cursos da USP, os quais se dividiram em oito frentes de trabalho: comunicação, programação científica, engajamento e avaliação, acessibilidade e inclusão, gestão financeira e patrocínio, programação cultural, programação infantil e infraestrutura. “Além de contribuírem para o sucesso do evento, esses estudantes estão vivenciando uma formação prática em divulgação científica, trabalho em equipe e gestão de projetos”, ressalta Denise.

Tempos de mudança – Desde que o Pint chegou ao Brasil em 2015, o mundo passou por transformações profundas: climáticas, políticas, sociais e tecnológicas, por isso, nada mais simbólico do que comemorar os 10 anos do Pint of Science em São Carlos com o tema Tempos de mudança.

A programação deste ano reflete essas transições e abre espaço para debates que nos convidam a repensar a forma como enxergamos a sociedade e o próprio ser humano. O tema que abre o evento, no dia 19 de maio, por exemplo, será dedicado a neurodivergência. O encontro propõe reflexões sobre inclusão, diversidade cognitiva e os desafios enfrentados por pessoas que recebem o diagnóstico apenas na vida adulta.

Nos dias seguintes, outras conversas prometem instigar o público. No dia 20, um dos temas em destaque será Extinções e clima: ecos do passado, ameaças no presente, um convite para olhar a história da Terra como chave para compreender os riscos ambientais que enfrentamos hoje e refletir sobre as ações necessárias para evitar futuros colapsos. Já no dia 21, o bate-papo Criando ossos e microchips: os bastidores da ciência revela como o conhecimento científico se transforma em inovação.

Mais uma vez à frente da organização do evento, Denise acrescenta: “Isso é apenas uma amostra da programação que está sendo preparada com muito carinho e, como sempre, com o compromisso de tornar a ciência cada vez mais acessível, envolvente e um verdadeiro patrimônio coletivo”.

 

O evento acontece graças ao empenho de uma rede de colaboradores voluntários, entre professores, funcionários técnico-administrativos e alunos (crédito da imagem: ICMC/USP)

 

Muitas parcerias – Pela segunda vez, oPint of Science acontecerá na Praça da XV, o que só foi possível graças às diversas parcerias estabelecidas pela comissão organizadora do evento. Além de apoio e recursos da Prefeitura Municipal de São Carlos, em especial da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia e da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, a iniciativa conta com a colaboração de duas unidades da Embrapa sediadas na cidade (Instrumentação e Pecuária Sudeste), do Instituto Angelim, da empresa PETE e do Calabouço Geek.

Há, ainda, a colaboração de centros de pesquisa, laboratórios, núcleos e grupos da UFSCar e da USP, tais como: o Centro de Pesquisa, Educação e Inovação em Vidros (CeRTEV); o Núcleo Ouroboros de Divulgação Científica da UFSCar; o Observatório Astronômico da UFSCar; o Centro de Divulgação Científica e Cultural (CDCC) da USP; o Centro de Robótica da USP (CRob); o Centro Cultural da USP São Carlos; e o Grupo Coordenador das Atividades de Cultura e Extensão Universitária da USP São Carlos (GCACEX).

 

Texto: Gabriele Maciel, da Fontes Comunicação Científica

 

Saiba mais
Confira a programação completa: https://pintofscience.com.br/events/saocarlos
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Conheça a história do festival: pintofscience.com.br/historia
Leia o texto anunciando a chegada ao Brasil: Pint of Science: Festival internacional de divulgação científica chega ao Brasil
Leia mais: Um brinde à ciência: Pint of Science completa 10 anos no Brasil e se consagra como o maior do mundo ao alcançar 169 cidades
Quer contribuir com a iniciativa, mas não sabe como? Acesse esta apresentação: https://icmc.usp.br/e/16a8a

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