Terceira edição da premiação contempla mulheres da área de Ciências Exatas e da Terra e Engenharias; saiba mais sobre as pesquisas de cada uma delas

Prêmio USP Mães Pesquisadoras reconhece a maternidade de cientistas mulheres, pais solo e LGBTQIPN+ – Foto: Freepik

Mirian Stringasci recebe o Prêmio USP Mães Pesquisadoras na área de Ciências da Terra – Foto: Arquivo pessoal
Mirian Denise Stringasci é formada em Física pela Universidade Estadual de Campinas e concluiu os trabalhos de mestrado e doutorado pelo Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP.
Mesmo com os desafios trazidos pelo processo de elaboração e defesa da tese de doutorado, ela optou pela maternidade durante esse período: “Na cabeça de muita gente, aquilo era uma loucura completa. Eu iria entrar na fase de prestar concursos tendo uma criança pequena. A gente sempre tem uma pressão: envolver-se em projetos, escrever e publicar artigos, prestar concursos. Tudo para não deixar o currículo desatualizado”.
Mirian conta que decidiu tentar conciliar a carreira na academia com a maternidade pois ambos eram grandes desejos seus. “A impressão, às vezes, é de que a gente não vai conseguir conciliar tudo. Você fica se perguntando, ‘será que eu não terei que abrir mão da carreira para ter um filho ou abrir mão de ser mãe para ser bem-sucedida?’. A gente precisa tomar uma decisão. Eu decidi ter filhos e me dedicar na vida profissional. Tive meu primeiro filho no final do doutorado e o segundo quatro anos depois”, relata.
“Por isso eu gostei muito desse concurso [Prêmio USP Mães Pesquisadoras]. Acho que ele ajuda a dar visão para outras mulheres. Será que é possível seguir a carreira e ter filhos, sem abrir mão de uma dessas coisas? Elas, vendo que é possível, acredito que ajude muito.”
A pesquisadora é mãe de Gabriel (7) e Rafael (3). Ela relembra que, na primeira gestação, a organização foi fundamental para conciliar as demandas. Assim que terminou de escrever a tese, afastou-se para a licença-maternidade. Ainda durante as primeiras semanas de vida de Gabriel, escreveu e submeteu um projeto para uma bolsa de pós-doutorado, que foi aprovado. Ao fim dos seis meses de afastamento, ela defendeu o doutorado e implementou a nova bolsa em seguida.
Mirian compara esse episódio com o da segunda gravidez: “Na época da gestação do meu filho mais novo, eu tentei correr com um monte de projetos. Pensava ‘não vou deixar o meu currículo defasado’. Mas aí ele completou um ano, e eu vi que não tinha conseguido atingir o número de publicações que eu queria. Eu não tive o mesmo rendimento de antes porque não tive como. Eu me culpei um pouco por conta disso. Eu queria provar para mim mesma que eu daria conta. Isso causa uma frustração na gente”, admite.
Ela também diz ter tido muito apoio da família e dos colegas de trabalho para conciliar as esferas acadêmica e familiar. “Eu me sinto uma pessoa bem favorecida porque tenho mãe e sogra bem próximas, então tenho muito apoio. Eu escrevi isso na minha carta de inscrição do prêmio. Às vezes é muito difícil… você tem compromissos e a criança está doente, então como você deixa ela em casa e vai ao laboratório?”
Fototerapia no combate ao câncer
Atualmente, Mirian integra o Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica do IFSC. Em sua pesquisa, ela busca maneiras de associar rádio e fototerapia em procedimentos de combate ao câncer.
A radioterapia é uma técnica comumente utilizada no tratamento do câncer. Ela consiste em direcionar raios ionizantes para a região do corpo onde o tumor está localizado, destruindo as células cancerosas e evitando que elas se multipliquem.
Como os raios ionizantes têm uma elevada taxa de penetração nos tecidos biológicos, a radioterapia é uma técnica muito eficaz. Entretanto, pelo mesmo motivo, ela pode provocar efeitos colaterais, tais como câncer secundário, morte de tecidos adjacentes à área do tumor e debilitação.
Já a fototerapia é menos invasiva, mas também menos eficaz. Ela é utilizada internacionalmente no tratamento de alguns tipos de câncer e, no Brasil, é liberada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para ser utilizada nos casos de câncer de pele não melanoma — tipo mais comum de câncer de pele entre os brasileiros.
“Eu procuro associar os tratamentos para ter um que seja bem eficaz e que provoque menos efeitos colaterais. Para a terapia fotodinâmica, ainda não existem protocolos fechados e há muito a ser aprimorado para melhorar a eficácia”, explica a pesquisadora.
O tratamento explorado por Mirian utiliza a luz. Então, é necessário que o paciente receba um medicamento fotossensibilizador, que pode ser via oral, injetável ou tópico. Durante o processo, são fatores importantes o tamanho e a localização – parte do corpo, profundidade e vascularização da região. É preciso que as células absorvam tanto o medicamento quanto a luz que será incidida.
Para evitar que as células saudáveis absorvam o medicamento destinado às células tumorais, são utilizadas moléculas seletivas, ou seja, que possuam características físico-químicas que potencializem sua absorção apenas pelas células-alvo. A molécula utilizada no tratamento irá definir o comprimento de luz que será usado nas sessões de tratamento. Mirian cita como exemplo a porfirina, substância que absorve a luz no comprimento de 400 nanômetros, o que corresponde à luz azul. A energia da luz é absorvida e transferida para os átomos de oxigênio do tecido. O oxigênio se transforma em uma espécie reativa e citotóxica, causando a morte do tumor.
A física de formação conta que, no ano passado, foi feita uma submissão para a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), que considerou a terapia fotodinâmica um procedimento custo-efetivo para ser implementado no SUS. Até então, o tratamento era realizado apenas em clínicas particulares ou em centros de saúde parceiros da Universidade.
“Essa vai ser a primeira técnica a ser implementada no SUS que foi solicitada por uma universidade pública. Geralmente, as implementações derivam de submissões feitas por empresas. Essa é a primeira submissão aprovada que foi feita por uma universidade”, destaca Mirian.
Cassia Fernandez
Cassia Fernandez concluiu o bacharelado em Física com habilitação em Astronomia pela USP em 2011. Anos depois de formada, voltou à academia para realizar o mestrado e o doutorado na área de educação das ciências, orientada pela professora Roseli Lopes, no Centro Interdisciplinar em Tecnologias Interativas (Citi) da USP.
Foi durante a elaboração da atual tese de doutorado que Cássia gestou os três filhos: o primogênito Matias (5) e os gêmeos caçulas Julio e Ana (2). “Todo o meu doutorado foi permeado pela maternidade. Meu marido também é pesquisador e os gêmeos nasceram prematuros, na semana em que ele precisava entregar a tese. Então, foi bem difícil. É bem desafiador”, relembra.
Ela concilia a maternidade dos três filhos, a atividade como pesquisadora da USP e o trabalho na Universidade de Columbia. “Eu faço o doutorado e tenho outro trabalho para pagar as contas, porque não recebo bolsa. Não daria para sustentar minha família com a bolsa, então eu atuo como pesquisadora também na Universidade de Columbia”, explica a doutoranda. Cássia diz que a compreensão e o amparo são muito importantes para que esse equilíbrio entre demandas funcione.
“A pessoa com quem eu mais interajo é a minha orientadora. Por ser mulher e mãe, ela é muito compreensiva. Recentemente, eu tive um problema familiar e precisei desmarcar alguns compromissos relacionados à Universidade. A resposta dela foi: ‘claro, família em primeiro lugar’. Eu achei essa fala tão maravilhosa!”
Ela menciona a mãe, a sogra e a cunhada como figuras da rede de apoio familiar. “A minha família é muito acolhedora. Eu acho que sem ela eu não conseguiria. Talvez eu já tivesse até desistido do doutorado”, admite.
Cássia relata que abrir mão de certas ambições desejadas na carreira de pesquisadora é um dos obstáculos mais frustrantes. “Eu sempre tive o sonho de fazer um doutorado-sanduíche em Columbia, onde meu co-orientador atua. O trabalho dele tem tudo a ver com a minha área de pesquisa. Quando o Matias nasceu, isso ainda era algo possível. Mas, depois que os gêmeos vieram, não houve mais essa possibilidade. Não dá para ficar seis meses ou um ano fora do Brasil com três crianças pequenas. Nos EUA, não existe nem creche gratuita para crianças dessa idade”, explica.
A pesquisadora coloca o companheiro, também cientista, como um de seus maiores incentivadores. “Meu marido entende a questão da pesquisa e me apoia muito. Ele diz: ‘vai, a gente dá conta. A gente pensa num jeito e vai dar tudo certo’”. Entretanto, ela relata sentir uma pressão advinda de si mesma. “Eu acho que tenho uma cobrança interna minha. De sentir que não sou tão boa mãe, se vou me dedicar a ir a eventos e ficar muito tempo longe. Sempre vai ser algo muito difícil, pelo menos nos próximos anos.”
Visualização criativa de dados
Hoje, a pesquisa de Cássia no Citi envolve o desenvolvimento de formas criativas para visualização e análise de dados, bem como o mapeamento de trajetórias de aprendizagem infantil no universo da programação.
“Eu queria resolver um problema que via muito. Existem muitas bases de dados disponíveis para serem usadas, mas não há tantas formas interessantes de os alunos analisarem e construírem visualizações para esses dados que não sejam planilhas ou coisas muito fechadas.”
Para a pesquisa, ela e o colega Adriano Freitas fizeram uma modificação em uma das extensões da plataforma Scratch para tornar o ambiente de programação em blocos existente na plataforma mais adequado para o trabalho de visualização de dados. “Nele, além da criação de modelos de visualização canônicos, como barras, dispersão e linhas, é possível criar animações, música, obras de arte. É possível explorar uma diversidade de formas de visualização para que os alunos se engajem nesse processo, criando algo mais relacionado aos interesses deles para comunicar ideias”, explica Cássia.
Além da elaboração da ferramenta, um produto secundário da pesquisa foi o desenvolvimento de um método para análise automática de trajetórias de aprendizagem de programação com visualização de dados. Na plataforma, foi inserido um mecanismo para captura automática dos dados, enquanto os alunos interagiam com as ferramentas .
“Se eles clicam num bloco e o arrastam, se juntam ou separam blocos, se eles rodam o programa, tudo que eles fazem ali fica registrado. E aí, para cada projeto de cada aluno, eu tenho um documento chamado log file, que tem ali tudo que ele fez a cada momento”, informa a pesquisadora.
É usada uma técnica de machine learning para extrair informações desse conjunto imenso de dados. Somado a esses dados, os vídeos gravados durante a interação dos alunos permitiram que fossem caracterizados momentos de inspeção de dados e de construção do programa.
“Eu consegui descrever o que cada microtarefa era e, a partir disso, fazer uma análise automatizada de dezenas de horas de programação dos alunos. Com isso, consigo criar as trajetórias de aprendizagem desses alunos, ver como cada um evolui e como essas tarefas são distribuídas”, afirma.
Cássia explica que esse conhecimento é de grande relevância, e não apenas para a área da educação em ciências. “Eu acho que a programação é cada vez mais central em todos os domínios do conhecimento. Aprender a programar é uma forma de aprender a pensar também. Não é só uma habilidade técnica, é também uma forma de refletir sobre o seu raciocínio”.
A ferramenta permite uma forma construcionista de aprendizagem, em que alunos não só recebem as informações, mas também se engajam na construção do conhecimento de maneira ativa. “Eu acho que isso vai nos ajudar a entender melhor o modo como as crianças aprendem de forma mais interdisciplinar, olhando por vários ângulos”, destaca Cássia.
Texto: Maria Trombini – Estagiária supervisionada por Tabita Said
Arte: Simone Gomes
Por Jornal da USP