Ouvir as histórias de quem já foi atormentado pelas incertezas no momento em que estava cursando estatística, enfrentou os desafios e, hoje, é disputado no mercado de trabalho traz motivação para aqueles que estão nos primeiros anos do curso e ainda não conseguiram vislumbrar a diversidade de opções que terão à disposição em um futuro próximo
O professor Louzada revelou que, até a metade do segundo ano da faculdade, não
tinha a menor ideia do que fazia um estatístico
Quem o vê no palco, com seu blazer alinhado, de óculos, relatando os diversos projetos que está desenvolvendo como estatístico não imagina que, até a metade do segundo ano da faculdade, ele estava completamente perdido e pouco ligava para os estudos, sequer sabia ao certo o que um estatístico faz. Talvez seja assim que se sintam muitos desses estudantes que lotam o auditório Bento Prado Junior, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), na tarde desta quarta-feira, 1 de junho, para ouvir as palavras do professor Francisco Louzada Neto, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, durante a Semana da Estatística.
“Você vai ficar desse jeito aí, cara? Você tem que tomar uma posição: ou vai ou não vai. Se quiser, tenho um projeto para você fazer”. A advertência dada pelo professor Aristotelino Ferreira em 1985 fez o jovem Louzada, e seus longos cabelos, tomarem um novo rumo: o estudante da UFSCar aceitou o desafio e se engajou no projeto de extensão desenvolvido pelo professor – que hoje dá aulas na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. “Foi o primeiro projeto que me motivou: fizemos uma análise estatística para comparar os movimentos de bebês com Síndrome de Down com os movimentos de bebês que não apresentavam o problema. No final, conseguimos verificar que a hipótese dos fisioterapeutas que participavam do projeto estava correta: os bebês com a Síndrome apresentavam movimentos diferenciados”, lembra Louzada.
Evento contabilizou 147 inscritos
O campo da bioestatística, no qual estabeleceu seu primeiro contato prático com essa ciência que analisa dados, continua cativando Louzada, que desenvolve diversos projetos no âmbito do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI). Um deles é voltado à detecção precoce de câncer de mama, por exemplo. Mas o professor também atua em outro campo, tanto que o título da palestra que está ministrando nesta quarta é exatamente Estatística e futebol, uma parceria que dá jogo. Louzada conta que só percebeu o potencial dessa dupla quando estava fazendo seu doutorado: “Eu nunca imaginei trabalhar com estatística no esporte, mas comecei a notar que havia uma necessidade iminente de se trabalhar com previsões estatísticas e também uma demanda pelo desenvolvimento de novos modelos e softwares voltados para essa área, inclusive ligados à detecção de talentos esportivos”.
Segundo o professor, há ainda um universo inexplorado de oportunidades que os estatísticos podem aproveitar: na música e na literatura, é possível aprimorar as técnicas para detectar a preferência das pessoas e desenvolver ofertas de produtos sob medida; o uso de dados não estruturados como as postagens das redes sociais pode, ainda, contribuir para a detecção de doenças; e os processos de recomendação empregados na internet também têm muito a ganhar com a utilização de ferramentas estatísticas. Para ele, o desafio das universidades agora é aprender a transformar estudantes em empreendedores.
Motivação – Realizada de 1 a 3 de junho, a Semana da Estatística já é uma iniciativa tradicional na UFSCar e está na sexta edição. Mas este ano foi a primeira vez que a comissão organizadora do evento, composta apenas por estudantes, resolveu convidar o ICMC para participar da iniciativa. O estudante Vinicius Rozemwinkel, que está cursando o primeiro ano de Estatística no ICMC, aprovou a ideia e sugere que a programação seja mais extensa no próximo ano. “Um evento como esse dá um ânimo, um gás. Você vê que, se ralar agora, vai ter uma recompensa lá na frente”, diz. Durante a mesa de bate-papo com estudantes que já estão estagiando, Rozemwilkel se surpreendeu ao ouvir que um deles tinha reprovado em cálculo: “É um estímulo, a gente passa a entender que os outros também passaram por dificuldades e acaba ficando mais tranquilo porque sabe que tudo vai dar certo”.
Semana da Estatística foi organizada pelos estudantes
Para Henrique Salviano, que está no segundo ano de Estatística na UFSCar, uma das vantagens do evento é trazer aos estudantes informações externas à Universidade, especialmente no que se refere a como é o dia a dia de um estatístico. “Houve a preocupação de nos fazer conhecer um pouco de tudo. Isso é importante para termos uma visão melhor sobre o nosso futuro”, revelou.
Um futuro que poderá ser dentro de um hospital, tal como revelou Marco Antonio de Oliveira, ex-aluno do ICMC que atua no Núcleo de Epidemiologia e Bioestatística do Hospital de Câncer de Barretos. “Quando a gente faz faculdade, ficamos presos ao mundo das ciências exatas, não temos ideia de como é complicado fazer pesquisa com seres humanos”, conta Oliveira. Ele explica que, nessa área, é preciso trabalhar sempre em equipe, ao lado dos médicos, somando conhecimentos. “As ideias para a maioria das pesquisas realizadas no Hospital surgem quando os profissionais da área da saúde estão atendendo os pacientes. Muitas vezes, eles não sabem exatamente como poderão coletar os dados para viabilizar seus projetos e buscam a nossa ajuda”, diz. Ele mostrou diversos exemplos de pesquisas e explicou como a atuação do estatístico é fundamental no processo: “Enquanto o pesquisador está falando, vou anotando e tentando identificar quais tipos de variáveis é possível mensurar”.
Marco explicou como é seu dia a dia no Hospital de Câncer de Barretos
Agora imagine quantas variáveis há para serem mensuradas quando uma empresa decide avaliar o impacto de uma campanha de conscientização a respeito do trabalho infantil, por exemplo. Será que basta ouvir a voz de um estatístico nesse caso? Para os cientistas sociais Marisa Villi e Rodrigo Cardozo, em situações como essas, é fundamental ouvir e envolver os diferentes atores sociais que se relacionam com a campanha de conscientização. Com esse intuito, eles construíram uma nova metodologia chamada PerguntAção, que tem a finalidade de possibilitar consultas participativas de opinião. Na Semana da Estatística, os dois ministraram uma palestra explicando como funciona a metodologia. A partir de oficinas formativas, as pessoas são mobilizadas a participarem de cada etapa do processo de levantamento de dados até a construção de um questionário estruturado que será utilizado para as entrevistas pessoais. “Nosso objetivo é promover uma produção coletiva de conhecimento, capaz de gerar articulação e mobilização social”, afirma Marisa. “Nossa prioridade não é a exatidão científica ou o uso rigoroso de amostras representativas, mas despertar no público o envolvimento com as questões que estão sendo pesquisadas”, completa. Para disseminar a nova metodologia, os dois cientistas sociais estão criando uma organização sem fins lucrativos chamada Rede Conhecimento Social.
A Semana da Estatística contabilizou 147 estudantes inscritos e contou com oito palestras, três mesas redondas e dois minicursos. “Essas atividades extracurriculares são essenciais para os alunos e precisam fazer parte dos projetos pedagógicos dos cursos. Porque é aí que eles passam não só a se formar tecnicamente, mas também como cidadãos”, ressaltou o reitor da UFSCar, Targino de Araújo Filho, na abertura do evento. “Que esta se torne a Semana da Estatística de São Carlos e que seja o primeiro de muitos outros eventos realizados em conjunto pelo Departamento de Estatística da UFSCar e pelo ICMC”, destacou o professor Pedro Ferreira Filho, da UFSCar. Na pós-graduação, a parceria entre as duas instituições já está estabelecida, pois em 2013 foi criado o Programa Interinstitucional de Pós-Graduação em Estatística. A torcida agora é para que esse casamento se estenda para a graduação.
Texto e fotos: Denise Casatti – Assessoria de Comunicação do ICMC/USP
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