Coletivo de Pessoas com Deficiência da USP propõe mudanças pedagógicas e estruturais nos ambientes universitários; anticapacitismo é uma das soluções para diminuir desigualdades
Especial, limitado, incapaz, inferior. Estas foram algumas das acepções que a palavra deficiente já recebeu. Os termos mudaram, a legislação evoluiu, mas o preconceito e a discriminação sobre a Pessoa Com Deficiência (PCD) continuam obstruindo o caminho delas rumo à inclusão. Como consequência, além dos impedimentos de natureza física, sensorial, mental ou intelectual que enfrentam, as pessoas com deficiência têm, ainda, que lidar com o estereótipo e o capacitismo. Baseado na ideia de que a deficiência é apenas parte da condição e da identidade da pessoa, o movimento anticapacitista vem buscando engajar mais adeptos para mostrar que é a falta de acessibilidade que impede uma transformação social que alcance a todos.
“Em outras minorias, em outros grupos sociais, nós conseguimos avançar. Mas a questão da deficiência ainda é um tabu. Não temos representatividade nas comissões de acolhimento”, afirma Juliana Altino, estudante de pedagogia na Faculdade de Educação (FE) e fundadora do Coletivo PCD da USP, criado neste ano de 2023. Para ela, o coletivo tem a missão de levar conhecimento e reconhecimento dos desafios e realizações das pessoas com deficiência que convivem na Universidade.
Atualmente, o Coletivo de Pessoas com Deficiência da USP já soma 48 integrantes, entre estudantes, servidores e apoiadores. O coletivo se organizou em grupos de trabalhos baseados nas principais demandas de seus integrantes, entre elas, questões jurídicas, sociais, esportivas e pedagógicas. A ideia é elaborar diretrizes e sugestões que possam servir de base para que os órgãos da Universidade construam políticas de educação e acessibilidade em suas instalações. Além de sugestões de baixo custo que podem ser incorporadas nas unidades para soluções rápidas e simples, o coletivo discute alternativas para incluir, ainda, familiares que frequentam o ambiente acadêmico. “Algumas pessoas têm dependência para coisas simples, como tomar banho. No primeiro semestre, minha mãe e irmã tiveram que se virar para comer, porque não podemos fazer duas bandejas”, relata Juliana sobre a rotina nos restaurantes universitários. O grupo se inspira no movimento feito pelas estudantes com filhos que moram no Conjunto Residencial, o Crusp. “No bloco das mães, há um espaço em que elas podem estar com a família. Existe uma lista especial para colocar dependentes das mães, mas por que não tem uma dessas para as pessoas com deficiência?”, questiona.
A aluna lembra que uma simples reforma de calçadas e adequação de rampas foram suficientes para que ela pudesse acessar o prédio da faculdade com segurança. O conserto beneficiou toda a comunidade, mas a ausência de acessibilidade pode afetar drasticamente a rotina de quem busca a mínima autonomia. “Em frente ao Metrô Butantã, uma das rampas que sai da avenida e dá acesso à estação era muito íngreme. Eu estava sozinha e a cadeira virou para trás. Eu caí e fiquei muito desesperada pois estava vindo um ônibus”, conta. Ela divide a rotina de estudos com a leitura de inúmeras normas e leis que definem as regras de acessibilidade física, social e educacional. “Só acho que eu não precisava ter aprendido tanto para ser tratada com o mínimo de respeito”, avalia. Juliana teve uma lesão medular causada pela mielite transversa, uma doença inflamatória de causa desconhecida que afeta os neurônios motores.
Funcionária da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, Sheila Santana é uma das integrantes do Coletivo PCD da USP. Atualmente, Sheila cursa Gestão Empresarial na Fatec, mas já foi aluna do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP em 2002. Entre idas e vindas, após trancar e voltar, a estudante desistiu da matemática em 2013. “Tinha a questão da claridade e ter que ir de óculos escuros para a aula, eu tinha que me dedicar à leitura de livros, acompanhar a demonstração e anotar, fazer a lista de exercícios… me cansava um pouco. Mas acho que o grande problema, mesmo, foi o fato de não ter recebido uma boa bagagem na escola pública”, diz.
Trabalhando na biblioteca da ECA há 13 anos, Sheila – que tem baixa visão desde a infância – acredita que as instituições estão lidando melhor com a inclusão de pessoas com deficiência. Ela conta já ter sido abordada pelo coordenador do curso em que seu companheiro estudava para dizer que ele não poderia ser avaliado, por ser cego. “Ele me abordou sozinha no corredor e foi tão desagradável. Eu disse que tem sempre alguma maneira de avaliar”, relatou, questionando o fato de o professor ter falado com ela e não diretamente com o estudante, por conta de sua deficiência. “Essas noções básicas poderiam ser passadas para as pessoas com relação ao capacitismo. Não é só sobre cumprir cota, sabe, a pessoa tem condições de estar ali, se ela tiver um equipamento adequado, se ela tiver condições adequadas para trabalhar”, afirma.
Na ECA, a servidora recebeu um monitor adaptado para exercer suas funções e é uma referência para estudantes de outras unidades. “Atendi um casal buscando por material adaptado para o braile. Orientei que não era a melhor opção, pois nem todo mundo sabe ler neste sistema. E se ela tiver condições de escutar o texto, vai ganhar tempo”, explica Sheila. Para ela, é fácil articular estas soluções, por entender a realidade da pessoa com deficiência. Ela indica que a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), a Faculdade de Educação (FE) e a Escola de Comunicações e Artes (ECA) contam com dispositivos de digitalização ou adaptação de texto para áudio em suas bibliotecas.
No coletivo, ela participa ainda do grupo de trabalho voltado para a inclusão de pessoas com deficiência nos esportes. De acordo com apuração do Jornal do Campus, 19 das 22 atléticas da USP procuradas afirmaram não ter modalidades esportivas voltadas para estudantes PCDs. “Um tempo atrás, eu nadava em um projeto de natação inclusiva da Escola de Educação Física e Esporte. Era muito bom, havia pessoas com deficiência física e intelectual. Fez muita gente feliz durante muitos anos, mas depois a professora responsável se aposentou e acabou”, lamenta. Sheila lembra que já participou de atividades em que conseguia acompanhar ficando bem próxima dos instrutores, mas acredita que nem toda modalidade possibilita uma inclusão “natural”. “Vão olhar pra mim e dizer: isso aqui não é pra você”, destaca ela, e afirma que mais pessoas procurariam a atividade física se elas fossem explicitamente adaptadas e inclusivas.