Inovação tecnológica em São Carlos: Do esporte ao agronegócio passando pela indústria

Com os apoios das universidades e institutos sediados em nossa cidade, jovens empreendedores transformam ideias em inovações que despertam já o interesse de grandes empresas nacionais e internacionais

A presilha “inteligente”

A empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (EMBRAPII) é uma instituição governamental cujo foco é apoiar as instituições de pesquisa tecnológica, fomentando a inovação na indústria brasileira. Ao auxiliar a modernizar as empresas através de produtos e/ou processos, a ação da EMBRAPII tem como principal meta fazer com que as empresas sejam mais competitivas, trazendo para a sociedade brasileira as soluções para os seus problemas cotidianos.

Criada em julho de 2017, a Unidade EMBRAPII do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), coordenada pelo Prof. Dr. Vanderlei Salvador Bagnato, dedica-se a transformar a ciência que é produzida em tecnologias nas áreas da óptica, robótica, instrumentação e novos fármacos. Com perto de setenta projetos executados e/ou em execução, contemplando um elevado número de empresas – desde as startups até às já consolidadas -, o principal foco da Unidade EMBRAPII do IFSC/USP está relacionado com a saúde humana, animal, vegetal e na defesa do meio ambiente, entre outros projetos não menos importantes, como, por exemplo o esporte. E, neste capítulo, trazemos hoje o exemplo de sucesso da empresa Biotrônica, instalada no NovoLab, em São Carlos, liderada por Haroldo Vieira.

Primeiro projeto dedicado ao CrossFit

Pormenor do equipamento

startup Biotrônica nasceu com o auxílio da Unidade EMBRAPII do IFSC/USP, em 2023, dando corpo a um projeto destinado ao desenvolvimento de uma tecnologia dedicada a atletas de levantamento de peso olímpico, inserida no CrossFit, na tentativa de  aproveitar as grandes potencialidades existentes nos mercados nacional e internacional. O projeto compreendeu o desenvolvimento de uma presilha destinada a ser colocada nas barras de levantamento de peso e que se traduz, em primeiro lugar, num componente de segurança para que as anilhas de peso não caiam. “As anilhas são os pesos que alimentam a barra de levantamento. Tem anilhas de 5, 10, 15, 20 quilos, e o atleta vai colocando-as de acordo com as repetições que ele quer fazer. Na modalidade do levantamento de peso olímpico, existem dois movimentos, que são o snatch e o clean and jerk. Então, é comum observarmos nas Olimpíadas aqueles atletas gigantes, levantando 200, 250 quilos”, comenta Haroldo Vieira.

Contudo, além dessa questão relativa à segurança, a presilha desenvolvida pela Biotrônica apresenta uma outra função graças a um componente tecnológico desenvolvido pela empresa. A presilha tem a capacidade de coletar inúmeros dados, já que existem vários sensores nesse pequeno equipamento. Tem sensores de aceleração, inclinação, temperatura e vibração que transmitem informações valiosas para o atleta, sendo que o principal sensor é o de aceleração. É através da aceleração que se consegue traçar um algoritmo de inteligência artificial (IA) para classificar o padrão de movimento do atleta. Então, a presilha consegue “entender” o movimento que o atleta está fazendo e ela sabe se o atleta está fazendo um snatch, um clean and jerk,  um agachamento ou um levantamento a partir do solo. Através disso, a presilha conta o número de repetições e faz o planejamento de treino do atleta”, explica Haroldo.

De fato, com essa tecnologia, o atleta não precisa mais ficar entrando em aplicativos, ou pegar num papel para ficar anotando o que está treinando. Essa presilha já vai coletando todas as informações em tempo real e vai fazendo o histórico do treino do atleta, inclusive analisando se ele está tendo uma performance de treino boa, muito boa ou ruim. “Essa presilha analisa a inclinação do movimento, detecta se existem tendências irregulares, às vezes um músculo um pouco mais enfraquecido que está inclinando, por exemplo, já que isso pode ocasionar uma lesão. Analisa o deslocamento da barra. Ela sabe a trajetória em 3D no ar. Isso é um método matemático que a gente tirou da área militar, usado para definir trajetórias de mísseis”, sublinha nosso entrevistado. Junto com os pesquisadores do IFSC/USP, a equipe da Biotrônica demorou nove meses para entender e desenvolver como o método matemático poderia funcionar, sendo que toda a parceria feita com a EMBRAPII viabilizou explorar essa tecnologia sem qualquer receio. A presilha já está no mercado, especialmente dedicada a educadores físicos e atletas de ponta, atletas de elite, algo que provocou outra parceria muito interessante, desta vez com a Movement, que é uma indústria de equipamentos de musculação, a maior da América Latina. Através dessa parceria, a Biotrônica foi convidada a participar na IHRSA Fitness Brasil, que é a maior feira esportiva da América Latina e nela foi proposto o desenvolvimento de um protótipo parecido com a presilha acima explicada, em um tempo muito curto – trinta dias. Esse protótipo é semelhante ao da presilha, mas desta vez com a finalidade de monitorar o movimento de atletas e de alunos durante a prática esportiva de musculação. Tal como o anterior, esse equipamento  monitora números de repetições, amplitudes de movimento, tempo entre repetições, cadência, peso, etc. “É muito similar ao projeto que desenvolvemos para o levantamento de peso olímpico, porém, com algumas adaptações para a musculação”, sublinha Haroldo.

Do esporte para o agronegócio e para a indústria

O sucesso do ciclo de desenvolvimento da Biotrônica acabou por abrir muitas portas e uma delas foi para o agronegócio, mesmo sem a empresa ter uma demanda específica sinalizada para esse fim. Para esse nicho de mercado, a empresa desenvolveu o “Brinco do Gado”, que é um dispositivo muito similar ao do levantamento de peso olímpico, só que em vez de classificar movimentos dos atletas ele classifica o movimento do gado. Através de IA o dispositivo consegue classificar o padrão de movimento do gado, cujo foco é obter informações precisas e em tempo real de quanto tempo ele está se locomovendo, reproduzindo, alimentando e dormindo, entre outros fatores; com base nesses dados, consegue-se saber, por exemplo, quando as espécies que estão sendo analisadas entram no cio. “É um produto muito interessante para o produtor pecuário, como um todo”, enfatiza Haroldo Vieira, que confirma estar já buscando parceiros para esse projeto.

Sensor para a classificação do padrão de ruído em equipamentos industriais

Por outro lado, tendo em consideração uma outra ideia iniciada em finais de 2023, a Biotrônica ingressou no início deste ano num outro projeto junto à Unidade EMBRAPII do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP) relativo ao desenvolvimento de um sensor para a classificação do padrão de ruído em equipamentos industriais. Esse sensor de ruído é um grande diferencial em relação aos produtos que existem no mercado. Segundo Haroldo Vieira, a classificação de ruído já é uma prática muito comum na indústria, com os fabricantes a usarem sensores de vibração, que são basicamente acelerômetros, mas que têm uma largura de banda muito baixa, um espectro muito baixo. “Esses acelerômetros são sensores que classificam padrões, muitas vezes no espectro audível. Porém, o técnico que acompanha os equipamentos na fábrica, que está lá na indústria há mais de 10 anos, quando escuta um rolamento chiar ele sabe que em breve irá dar problema. O que nós desenvolvemos foi um sensor que classifica o padrão de ruído com IA no espectro ultrassônico. Por quê? Primeiro, porque o espectro ultrassônico não é detectado, ou seja, não é audível, já que ele tem uma largura de banda mais ampla, uma alta frequência, que é o primeiro ruído (impercetível) que aparece no equipamento. É o indicativo que vai haver problema dentro de algum tempo. Na hora em que começa a aparecer um estresse mecânico, o equipamento começa a apresentar um ruído no espectro ultrassônico e é aí que conseguimos classificar esse padrão de ruído logo no início, sabendo com toda a certeza que esse equipamento vai dar problema, necessitando, por isso, de uma manutenção preditiva muitos meses antes da avaria acontecer”, explica o nosso entrevistado. Contudo, segundo adiante Haroldo, este novo projeto pode ser aplicado em diversas outras frentes, como, por exemplo, na área automobilística, onde a Biotrônica já assinou uma parceria com a Fórmula Inter, com o intuito de classificar os padrões de ruído dos motores dos carros e de outros elementos mecânicos e estruturais.

O pesquisador do IFSC/USP, Dr. Antonio Eduardo de Aquino Junior salienta que a importância da EMBRAPII é fundamental para estes projetos, tendo em consideração o fato de ela possibilitar o financiamento e a estrutura para que as startups possam iniciar suas atividades e desenvolverem inovações. “Esse tipo de auxílio, de orientação, já que muitas vezes no processo da EMBRAPII existe toda uma logística do SEBRAE envolvida e que demanda estratégia para o desenvolvimento, auxilia muito para que o processo atinja um sucesso. A parceria que existe na Unidade EMBRAPII do IFSC/USP, envolvendo todos os colaboradores, faz com que os processos de inovação, muitas vezes complexos, se tornem tecnicamente viáveis em prazos relativamente curtos. E o que observamos é que em relação à Biotrônica existe uma equipe integrada e é muito importante esse tipo de integração, onde você consegue resolver os problemas que aparecem na demanda das atividades e processos em um tempo muito curto dentro da empresa”, sublinha o pesquisador. De fato, essa equipe, que alberga no seu seio 16 alunos de graduação e de pós-graduação da USP de São Carlos, do Instituto Federal de São Paulo – Campus de São Carlos, e da UFSCar, graças aos contatos estabelecidos com inúmeros professores, atua basicamente em uma sala, promovendo uma comunicação facilitada, sendo que a expertise dos envolvidos se mostra adequada e cada vez mais “afinada”, o que tem resultado em toda essa demanda, todo esse sucesso no desenvolvimento de tecnologias inovadoras na cidade de São Carlos.

Carro da “Fórmula Inter”

Por último, para suprimir as dificuldades e os custos relacionados com as questões mecânicas da prototipagem dos dispositivos eletrônicos desenvolvidos pela Biotrônica, que sempre necessitam da fabricação de invólucros para proteger os circuitos, a empresa assinou em 2023 uma parceria com a chinesa Creality, a maior fabricante de impressoras 3D do mundo. Dessa forma, a Biotrônica consegue agora fabricar os seus invólucros e, através dessa mesma parceria, fazer projetos e fabricar componentes para outras empresas, ao mesmo tempo que revende as mais diversas categorias de impressoras 3D. Antonio Eduardo de Aquino Junior destaca que toda essa viabilidade só é possivel graças a uma gestão visionária do coordenador da Unidade EMBRAPII do IFSC/USP, Prof. Vanderlei Bagnato. “Ele está  sempre presente nas ações que são necessárias, no desenvolvimento dos projetos e nos aconselhamentos e isso faz um diferencial muito grande. Outra questão importante é o grande auxílio que a Fundação de Apoio à Física e Química (FAFQ) presta em relação à gestão de recursos. Pode parecer às vezes trivial, mas fazer a gestão de recursos com toda uma ação para concluir a parte burocrática é fundamental para aliviar a carga que sempre pesa em cima dos ombros dos pesquisadores e das startups”, conclui o pesquisador.

Haroldo Vieira com parte de seus colaboradores em uma das salas da “Biotrônica” no “NovoLab”

Por Rui Sintra & Adão Geraldo – Jornalistas da Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

VEJA TAMBÉM ...