Jogo criado na USP transforma participantes em agentes da transformação urbana

Criado pelo Grupo Cartilha da Cidade, do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP, em São Carlos, o jogo Agentes Urbanos usa uma abordagem lúdica para simular conflitos e estimular diálogo entre diferentes interesses

Grupo participa de oficina com o jogo Agentes Urbanos e a Cidade Participativa – Foto: Divulgação/Cartilha da Cidade

Você sabe como funciona a rede elétrica, a coleta de lixo ou o sistema de esgoto e drenagem da sua cidade? Se você mora no Brasil, as chances de viver em um ambiente urbano são altas, já que, segundo o Censo de 2022, 61% da população – cerca de 124,1 milhões de pessoas – reside em cidades. Apesar disso, mesmo convivendo com esses serviços diariamente, será que conseguiríamos explicar como eles realmente operam?

Compreender o funcionamento dos municípios e como eles são palco de diferentes interesses políticos é o ponto de partida do jogo Agentes Urbanos e a Cidade Participativa. Criado pelo Grupo Cartilha da Cidade, do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) da USP, em São Carlos, a simulação utiliza uma abordagem lúdica para discutir questões urbanas e promover reflexões sobre o espaço que habitamos.

Miguel Buzzar – Foto: Reprodução/Facebook

Miguel Buzzar, professor do IAU e coordenador do projeto Cartilha da Cidade – Foto: Reprodução/Facebook

A ideia, de acordo com professor Miguel Buzzar, um dos coordenadores do grupo, nasceu da observação de que muitos desconhecem fatos essenciais sobre nossas cidades: “A cidade é um ambiente vivido por todos, mas poucas pessoas entendem as redes de serviços que operam nela”, pontua ele.

O jogo simula situações-problema reais colocando participantes no papel dos tais “agentes urbanos”, cada um com um conjunto de interesses específico. Para ilustrar, Buzzar oferece um exemplo clássico de interesse que envolve a disputa pelo destino de um edifício: enquanto parte da população deseja transformá-lo em habitação social, um empreendedor quer convertê-lo em shopping, e a Prefeitura opta por um museu. “Essas situações geram discussões e negociações, espelhando a complexidade dos conflitos urbanos”, explica o professor.

O ponto principal é estimular o diálogo, incentivando soluções que possam atender aos diferentes agentes. “O resultado do jogo pode ser tanto um acordo coletivo, em que todas as partes ficam satisfeitas, quanto um desfecho sem consenso, como acontece frequentemente na cidade hoje em dia”, esclarece.

Educação urbana

Criado há 12 anos, o Grupo Cartilha da Cidade do IAU surgiu a partir de uma rede de pesquisa financiada pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Formado por professores, pesquisadores, alunos da graduação e da pós, seus membros atuam na promoção da educação urbana.

“Há um autor muito famoso, Henri Lefebvre, que discute a ideia do direito à cidade, que é o direito das pessoas de poderem pensar e participar do projeto da cidade. Tendo isso como norte, elaboramos o projeto da cartilha, que tem o objetivo de levar à população conhecimento sobre os sistemas urbanos e o gerenciamento político da cidade”, sumariza Buzzar ao descrever a inspiração por trás do projeto.

Oficinas em escolas públicas de São Carlos – Foto: Divulgação/Cartilha da Cidade

A proposta começou com oficinas em escolas públicas de São Carlos, onde temas como mobilidade, energia e abastecimento de água eram abordados de forma didática. Nesse contexto, surgiu a ideia do jogo, inspirado em um modelo criado nos EUA. “O jogo foi a maneira que encontramos para envolver mais diretamente os participantes, permitindo que discutam o bairro onde vivem e os desafios reais da cidade”, revela ele.

Com cinco versões para diferentes faixas etárias – do ensino básico até a pós-graduação – Agentes Urbanos está disponível para download no site oficial do grupo. Além dele, a plataforma oferece materiais de apoio, como uma cartilha ilustrada que complementa o aprendizado sobre os sistemas urbanos. “Gostaríamos que a educação urbana fizesse parte do ensino básico”, reforça o professor.

Versão 0: Indicada para Educação Infantil e 1º e 2º ano do Ensino Fundamental I

Versão 1: Indicada para 3º, 4º e 5º ano do Ensino Fundamental I

Versão 2: Indicada para Ensino Fundamental II

Versão 3: Indicada para estudantes do ensino médio

Versão 4 Indicada para estudantes de graduação e graduados

 

Como jogar?

Foto: Divulgação /Cartilha da Cidade

Para jogar Agentes Urbanos e a Cidade Participativa os participantes são divididos em grupos, cada um representando um agente urbano, como a Prefeitura ou ONGs.

O mediador apresenta uma situação-problema, baseada em desafios urbanos reais, que os grupos devem discutir internamente e depois propor soluções. Em seguida, ocorre uma fase de negociação entre os grupos para tentar chegar a um acordo que atenda aos interesses de todos.

O jogo tem duração de cerca de dois períodos de 50 minutos e é focado no debate e na construção colaborativa de soluções, sem vencedores.

Para ver o Manual do Jogo clique aqui.

 

A história da cidade Rios Perenes

Foto: Divulgação /Cartilha da Cidade

Durante o jogo, os participantes podem consultar a cartilha História da Cidade Rios Perenes e Seus Agentes Urbanos. O material de apoio, com 20 páginas, apresenta a cidade fictícia de Rios Perenes, uma ferramenta central para a aplicação do jogo Agentes Urbanos e a Cidade Participativa. No documento, os jogadores encontram o cenário e os agentes que representam os diferentes interesses que coexistem na cidade.

A cartilha inclui o mapa da cidade, descrições detalhadas das zonas urbanas e dos agentes urbanos, como a Associação de Comerciantes, Associação de Moradores, Empreendedores Imobiliários, e ONGs. O conteúdo foi elaborado com base em conceitos reais de planejamento urbano, como zoneamento e densidade populacional.

A cartilha está disponível neste link.

 

Oficinas e eventos

De acordo com o docente, os próximos passos do grupo incluem a realização de mais oficinas e a expansão do jogo para outras regiões do Brasil. “Já realizamos atividades em cidades como Guarulhos, Salvador e Ribeirão Preto, e também oferecemos uma versão on-line durante a pandemia”, conta Buzzar.

Para o futuro, os participantes planejam continuar a oferecer oficinas em São Carlos e a ampliar as colaborações com professores de outras cidades que têm utilizado o jogo em suas disciplinas.

Em vista disso, os membros seguem participando de eventos acadêmicos, como o Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (Enanparq), que acontece no Rio de Janeiro, agora em outubro. “No evento, vamos realizar uma oficina com a versão mais elaborada do jogo, voltada para docentes e pós-graduandos”, conclui o professor, salientando o compromisso da equipe em transformar a educação urbana em uma ferramenta prática para todos os que vivem nas cidades.

Mais informações no site http://cartilha.iau.usp.br

Texto: Denis Pacheco – Jornal da USP

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