Nova tecnologia promete tratamento personalizado para cada paciente, além de menos toxicidade do que métodos atuais
Estão sendo dados passos gigantescos para que, num futuro próximo, se possa atingir uma medicina quase que 100% personalizada. Com isso, pacientes com doenças graves, como o câncer, poderão ser diagnosticados e tratados de forma muito mais rápida, sem efeitos secundários e sem a toxicidade apresentada pelos atuais procedimentos rádio e quimioterápicos. Não é ficção científica. É, sim, a conquista da Nanomedicina teranóstica, uma nova fronteira da nanotecnologia.
Como funciona a Nanomedicina teranóstica?
Quando se fala em Nanomedicina teranóstica, fala-se de nanomateriais que têm a particularidade de detectar e mostrar onde existe um problema grave de saúde – e aqui tomamos, como exemplo típico, o câncer. Ou seja, esses nanomateriais – ou nanopartículas – conseguem se alojar e fazer um diagnóstico de um tumor, combatendo em simultâneo as células cancerígenas, facultando o monitoramento de toda a ação. Várias são as formas atuais de se desenvolverem – ou desenharem – nanopartículas que produzam os efeitos de diagnóstico e tratamento. Uma nanopartícula pode se alojar em um tumor e agir como se fosse um farol que o iluminasse e localizasse.
Essa comparação é um exemplo de nanopartícula como agente de contraste para ser “interpretada”, por exemplo, através de imagens de ressonância magnética, ou por imageamento fotoacústico, conforme descrito em artigo científico publicado recentemente pelo Grupo de Nanomedicina e Nanotoxicologia do Instituto de Física de São Carlos (GNano-IFSC) da USP, liderado pelo professor Valtencir Zucolotto. Segundo o professor, essa é a parte do diagnóstico. Depois vem a parte terapêutica, cujo exemplo é mostrado em outros artigos do mesmo, que tratam da terapia fototérmica, ou foto-hipertermia. A nanopartícula se aloja no tumor e recebe a radiação de uma luz laser, no infravermelho, promovendo um aquecimento muito localizado somente ao redor das nanopartículas, que se irradiam, induzindo a morte celular do tumor.
O professor explica que, quando se forma um tumor, ele tem tendência natural a crescer de forma rápida, um crescimento que é comum às células cancerígenas. “Como é esperado, os vasos sanguíneos que alimentam esse tumor também se desenvolvem de forma rápida, sendo que suas paredes podem se apresentar irregulares, com poros. E essa é uma situação que favorece a ação das nanopartículas, já que, ao circularem pelo corpo humano, naturalmente acumulam-se no tecido tumoral, exercendo então sua ação e deixando, idealmente, os tecidos saudáveis liberados.”
A Nanomedicina teranóstica, diz, representa uma das fronteiras da nanotecnologia. “Atualmente, todos os grandes grupos de pesquisa estão na busca por sistemas que, através da mesma nanopartícula, possam detectar um tumor e, em seguida, aplicar uma terapia – um antitumoral, uma terapia por aquecimento, ou mesmo tudo isso junto”, explica Zucolotto, responsável pelo GNano, do IFSC, um dos grupos que mundialmente buscam avanços nessa área.
Avanço nas pesquisas
Dois artigos do GNano, resultantes de projetos desenvolvidos in vitro e financiados pela Fapesp, foram publicados recentemente. O primeiro, intitulado Near Infrared Phoactive Theragnostic Gold Nanoflowers for Photoacoustic Imaging and Hyperthermia, relata o desenvolvimento de uma estrutura não muito convencional, diferente de todas as outras, com o formato de uma flor. “A vantagem do formato, nesse caso, é o rápido aquecimento localizado que a “nanoflor” pode fornecer pela irradiação da luz no infravermelho”, explicam os pesquisadores Olavo Amorim Santos e Juliana Cancino-Bernardi, autores principais do trabalho. Mostra-se, nesse trabalho, o imageamento feito por espectroscopia fotoacústica, para a detecção do tumor (diagnóstico), passando para a fase terapêutica com a absorção da luz pela nanopartícula, matando a célula tumoral na sequência. “A imagem fotoacústica é uma técnica que também se baseia na absorção de luz no infravermelho por alvos de interesse. Neste caso, pulsos curtos de laser, com duração da ordem de nanossegundos, são aplicados na região tecidual contendo as nanopartículas. Diante disso, o aumento de temperatura é localizado e transiente, o que induz a geração de ondas acústicas, efeito similar ao trovão causado por um raio. Para a formação das imagens que nos permite localizar as nanopartículas, essas ondas acústicas são detectadas por um equipamento de ultrassonografia. Neste caso, o equipamento de imagem é muito similar àqueles usados, por exemplo, em obstetrícia e cardiologia”, acrescenta o professor Theo Pavan, do Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, coautor do trabalho.
O segundo trabalho, intitulado Doped Plasmonic Zinc Oxide Nanoparticles with Near-Infrared Absorption for Antitumor Activity, mostra uma nanopartícula de óxido de zinco modificada, a qual apresenta propriedades optoeletrônicas aprimoradas, incluindo absorção na região do infravermelho próximo. “O material sintetizado representa uma importante classe de nanocarreadores, que pode ser adaptada para a entrega de medicamentos e ser utilizada como plataforma teranóstica, ou seja, capaz de combinar o tratamento e o diagnóstico de forma simultânea em doenças como o câncer. Além do tratamento do câncer, as nanopartículas de óxido de zinco também possuem atividade antibacteriana, o que as tornam excelentes estruturas capazes de combinar os tratamentos usuais contra doenças crônicas e infecciosas em uma única plataforma terapêutica. Em resumo, as nanopartículas modificadas de óxido de zinco representam uma alternativa no uso de materiais convencionais com uma rota de síntese mais barata e em larga escala, que é uma particularidade importante para seu uso em aplicações biológicas”, explica Nathalia Rissi, principal autora do artigo.
Já em 2018, o GNano se aproximava rapidamente da Nanomedicina teranóstica com a publicação do trabalho pioneiro no grupo Photothermia and Activated Drug Release of Natural Cell Membrane Coated Plasmonic Gold Nanorods and β-Lapachone. A pesquisadora Valeria Marangoni foi uma das autoras, realizando a pesquisa in vivo, com modelos animais, relativa ao desenvolvimento de uma nanopartícula que, ao ser irradiada e aquecida, provocou a diminuição de tumores.
Por: Rui Cintra e Vinícius Botelho