Em nova edição, Revista USP mostra como o mercado editorial atuou politicamente no Brasil entre 1950 e 1980

Nova edição da Revista USP reconstitui a história do mercado editorial brasileiro entre 1950 e 1980, período marcado por disputas ideológicas e mobilização dos livros como instrumento de transformação social – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Quando a polícia política da ditadura militar invadiu as instalações da Editora Civilização Brasileira com a missão de destruir todo o material das Obras Completas de Lênin, o editor Ênio Silveira finalmente tomou consciência das dimensões do novo regime que desabara sobre o País desde 1964. Algum tempo depois – mais precisamente no dia seguinte à publicação do Ato Institucional Número 5 (AI-5), de 14 de dezembro de 1968 –, Silveira seria preso, não deixando dúvidas: assim como na ficção de Fahrenheit 451 e no horror da Alemanha nazista, no Brasil do “Ame-o ou deixe-o” os livros também eram temidos, odiados e entendidos como material bélico.
O breve relato da prisão de Silveira abre o dossiê Edição e Política, publicado no número 139 da Revista USP, que acaba de ser lançado (disponível neste link). No conjunto de artigos reunidos pela professora Marisa Midori Deaecto e pelo pós-doutorando Hugo Quinta, ambos da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, encontra-se um vislumbre das conexões entre mercado editorial e política no Brasil de meados do século 20. São trajetórias de editores progressistas, da atuação da esquerda organizada e também de projetos anticomunistas situados entre as décadas de 1950 e 1980, período que começa na época do desenvolvimentismo nacional e compreende boa parte do regime ditatorial. Trata-se de voltar os olhares para a história do mercado editorial brasileiro em um de seus momentos mais efervescentes, quando os livros eram encarados como armas fundamentais na guerra pelos corações e mentes da população.
O primeiro texto do dossiê é assinado pela própria Marisa e narra a criação da Editora da Universidade de Brasília (UnB). Fundada em 1961, tinha como uma de suas missões responder à demanda por obras científicas em língua portuguesa destinadas aos programas de ensino superior em expansão no País. Para isso, a editora da recém-inaugurada universidade da nova capital do Brasil se propunha, como uma de suas primeiras iniciativas, a organizar uma coleção batizada de Biblioteca Básica Brasileira (BBB) . A série deveria publicar 100 obras de autores nacionais, começando com dez títulos em 1963.
O projeto se inseria no horizonte das coleções brasilianas que já faziam parte das estratégias de outras editoras estabelecidas no mercado. A Companhia Editora Nacional possuía sua Biblioteca Pedagógica Brasileira desde 1931, a Editora José Olympio publicava a Coleção Documentos Brasileiros desde 1936 e a Difusão Europeia do Livro (Difel) editava a Coleção Corpo e Alma do Brasil desde 1957. O diferencial da BBB, contudo, era a aposta na edição de textos clássicos, para compor seu próprio cânone. Raízes do Brasil, Os Sertões, Casa Grande & Senzala, Formação Econômica do Brasil e Memórias de Um Sargento de Milícias foram alguns dos títulos publicados em 1963.

Em 2021, a Fundação Darcy Ribeiro publicou os 50 primeiros títulos da Biblioteca Básica Brasileira, que tinha sido inviabilizada pela ditadura militar – Imagens: Reprodução/Editora UnB