Estudo de iniciação científica sobre saberes tradicionais negros da cidade de Americana, em São Paulo, foi desenvolvido no Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) da USP, em São Carlos
Pesquisa realizada no Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) da USP, em São Carlos, sobre o cotidiano e as formas de morar de famílias negras da cidade de Americana, no interior paulista, foi uma das premiadas no IV Prêmio de Reconhecimento Acadêmico em Direitos Humanos, realizado pela Unicamp – Instituto Vladimir Herzog. A premiação aconteceu na última sexta-feira, dia 24, na Unicamp.
Com a orientação da professora Joana D’Arc de Oliveira, atualmente integrante do programa de pós-doc da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, o estudante de graduação em Arquitetura do IAU Vitor Menck desenvolveu o estudo de iniciação científica intitulado Práticas culturais e saberes tradicionais negros em Americana – SP. “Iniciei meu estudo em 2021, mas meu interesse pelas pesquisas da professora Joana surgiu um ano antes, quando conheci a linha de pesquisa dela”, conta o estudante em entrevista ao Jornal da USP.
A conclusão do estudo foi no início do ano passado e Menck lembra que, no começo da pesquisa, teve de buscar informações e conversar com algumas pessoas de forma remota. “Afinal, em 2021 ainda estávamos em plena pandemia”, lembra. Passado aquele período, o estudante foi a campo para fotografar e investigar na cidade de Americana sobre o tema central de seu estudo. A pesquisa também se estendeu a Santa Bárbara do Oeste, município vizinho. Como conta o estudante, a cidade de Americana tem sua origem ligada ao fluxo migratório de norte-americanos que chegaram após a Guerra de Secessão nos EUA.
Comunidade negra
Além dos registros de imagens, Menck buscou informações junto ao núcleo da União dos Negros e Negras pela Igualdade (Unegro) de Americana na busca de conhecer espaços e moradias de famílias negras tradicionais da cidade. “E foi por intermédio dessa entidade que cheguei ao que eles chamavam de quilombo urbano do Seo Dito, que fica na cidade vizinha de Santa Bárbara do Oeste”, descreve o estudante. Lá, ele pôde compreender e registrar a forma de moradia de Benedito Samuel Barboza, conhecido como Seo Dito, que foi um militante da causa negra.
“Na casa e no quintal de Seo Dito pude observar que muitas tradições negras estavam ainda presentes. Naquele espaço moram parte de seus familiares, filhos e netos; num grande quintal compartilhado cultivam plantas e o local servia também para as reuniões familiares”, descreve Menck, que, além de recursos bibliográficos, buscou na história oral elementos para o seu estudo.
Segundo o estudante, o espaço em que reside o Seo Dito, que tem por volta de 80 anos, é um local de resistência. Vitor também visitou e entrevistou outros moradores, como Dona Ester dos Santos, no bairro Vila Mathiesen, e Benedito Silva, no bairro Antônio Zanaga, ambos em Americana. “Ainda que tenham sido mapeadas relações culturais expressas no espaço do quintal, o único que entendemos como um “quilombo urbano” é o de Seo Dito, por manter um universo de expressões naquele espaço e por já ter esse espaço identificado assim pelo pessoal do movimento negro, conforme conversas que mantivemos com a Unegro”, explica Menck.
Outra constatação é que a população negra de Americana está em todas as periferias da cidade. Na área central, uma das fortes marcas desses habitantes é a linha férrea que divide a cidade. “A estrada de ferro foi construída com mão de obra negra”, descreve o estudante.
Presenças “apagadas”
De acordo com a professora Joana D’Arc de Oliveira, existe na região uma presença negra significativa, mas quase sempre apagada. Ela conta que Vitor teve um interesse voluntário por suas pesquisas, enquanto ela atuou como professora temporária no IAU. “Além de ter se dedicado ao projeto, foi somente depois de seis meses de estudos que ele pôde contar com auxílio da Fapesp”, descreve a professora.
Joana trabalha num projeto que mapeia terrtórios negros no interior paulista. Além de outras regiões do Estado, seu projeto engloba também as cidades de Americana e Santa Bárbara do Oeste, na região Oeste do Estado. “Essas duas cidades emergiram a partir da cultura cafeeira, quando, nas primeiras décadas do século 19, um número significativo de escravos, vindos principalmente do Nordeste, empregaram seus saberes na construção das cidades”, narra a docente.
Mas, a partir do pós-abolição, diversas ações foram marginalizando as culturas e jogando essas populações para as periferias das cidades. “Ainda podemos ver na região central de Americana marcas de negros e negras, antes de serem empurrados para as periferias”, afirma Joana D’Arc.
Como destaca Joana, as moradias dos habitantes negros acabam, de fato, sendo espaços de resistência e de culturas conectadas com os saberes brasileiros. “São casas sempre prontas a receber membros das familias que desejam voltar, reunindo várias moradias dentro de um mesmo lote. Trata-se de uma forma ‘aquilombada’ de morar e viver”, explica a docente.
Na cartografia abaixo, produzida por Vitor, os pontos coloridos representam os bairros da cidade onde se encontram as concentrações da população negra da cidade de Americana. O estudante destaca que, de acordo com dados da população autodeclarada preta e parda em Americana, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010 o porcentual era de 20,29% (número utilizado na época da pesquisa). “Em 2022, de acordo com dados atualizados, o porcentual subiu para 28,53%”, cita Vitor Menck.
Prêmio de Reconhecimento
O Prêmio de Reconhecimento Acadêmico em Direitos Humanos Unicamp-Instituto Vladimir Herzog tem, como objetivo, fortalecer o compromisso entre a universidade pública e a sociedade, defendendo, direta ou indiretamente, os direitos humanos das gerações do presente e do futuro.
A premiação é dividida em cinco áreas: Ciências Exatas, Engenharia e Tecnologia; Ciências Biológicas e da Saúde; Ciências Humanas, Sociais e Econômicas; Artes, Comunicação e Linguagem; Educação e Prêmio Honorário. Em cada área, são selecionadas pesquisas de graduação, mestrado e doutorado.
Por Antonio Carlos Quinto – Jornal da USP