Política que introduziu a arquitetura moderna em São Paulo ganha exposição

Em cartaz no Centro MariAntonia da USP, mostra apresenta maquetes e diagramas de projetos elaborados no âmbito do Plano de Ação do Governo de São Paulo (Page), entre 1959 e 1963

A exposição no Centro MariAntonia da USP: mostra recupera parte pouco conhecida da história da arquitetura paulista – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Um momento decisivo para a história da arquitetura brasileira ganha relevo no Centro MariAntonia da USP. Trata-se da exposição Page: a Difusão da Arquitetura Moderna no Brasil, em cartaz até 24 de agosto. A mostra destaca o Plano de Ação do Governo do Estado de São Paulo (Page), implementado durante o governo Carvalho Pinto (1959-1963) e responsável por renovar a arquitetura paulista.

Ocupando duas salas do terceiro andar do Edifício Rui Barbosa do Centro MariAntonia, a exposição traz maquetes e diagramas que apresentam uma pequena parte das obras realizadas no contexto do Page. O conjunto é revelador de uma fase de experimentação na arquitetura moderna brasileira, responsável por renovar seu repertório formal e ampliar seu conteúdo social e cultural.

A base do Page está no decreto 34.656, de 12 de fevereiro de 1959, que instituiu um grupo de planejamento responsável por elaborar o plano de ação e apresentá-lo ao governador. Naquela época, a economia brasileira passava por mudanças profundas, com uma rápida industrialização, e o projeto nacional-desenvolvimentista avançava em nível federal com Juscelino Kubitschek. Em São Paulo, Carvalho Pinto procurava conciliar o desenvolvimento econômico com a evolução do bem-estar social.

Até aquele momento, a elaboração e a implementação dos projetos arquitetônicos paulistas estavam sob responsabilidade do Departamento de Obras Públicas do Estado (DOP), que possuía seu próprio corpo de arquitetos. Sob a tutela do DOP, vigorava, com poucas exceções, uma arquitetura não moderna, que variava entre o eclético, o neocolonial, o art déco e o neoclássico. O Estado mais moderno do País, na virada dos anos 1950 para os 60, estava atrasado.

Maquete de um edifício.

Fórum de Avaré (Paulo Medes da Rocha e João Eduardo de Gennaro, 1962) – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Maquete de um edifício.

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Maquete de um edifício.

Escola Estadual de Itanhaém (Artigas e Cascaldi. 1959- Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Maquete de um edifício.

Escola Estadual Conselheiro Crispiniano, em Guarulhos (Artigas e Cascaldi, 1960) – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Maquete de um edifício.

Fórum de Amparo (Oswaldo Bratke, 1960) – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Maquete de um edifício.

Escola Estadual João Franco de Godoy, em Presidente Prudente (João Clodomiro de Abreu, 1962) – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Maquete de um edifício.

Escola Estadual Monsenhor Bicudo, em Marília (Salvador Candia, 1962) – Foto: Marcos Santos/USP Iamgens

Para o Page, a dinâmica seria outra. O governo do Estado firmou um acordo com o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), estabelecendo honorários para a contratação de profissionais não vinculados aos quadros do governo. Além disso, houve uma reorganização na atuação do próprio DOP, direcionando-o para a produção de edifícios modernos.

Com financiamento do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (Ipesp), foram contratados escritórios de arquitetura, mobilizando mais de 160 arquitetos. Como resultado, cerca de 1.100 obras construídas, distribuídas entre 275 municípios do Estado. Dentro do Page, foram realizadas obras de infraestrutura – pontes, ferrovias, estradas, rodovias, portos, água, energia elétrica, saneamento – e construídos equipamentos públicos, como escolas de educação primária, edifícios universitários, fóruns de justiça, hospitais, postos de saúde e casas de agricultura.

Estiveram envolvidos nos projetos nomes como Paulo Mendes da Rocha, João Batista Vilanova Artigas, Rino Levi e Oswaldo Arthur Bratke. Era a difusão da escola paulista da arquitetura moderna a partir de políticas públicas. Seus marcos – a caixa de concreto e o espaço de convívio orientando a espacialidade –, que já apareciam nas residências projetadas por esses profissionais, ganhavam agora dimensão social. Exemplar é o edifício escolar, tipo de equipamento que realizava uma pedagogia de formação social coletiva.

Homem careca e com barba.

O professor Miguel Antonio Buzzar – Foto: Arquivo pessoal

Hoje, tais obras correspondem a um patrimônio arquitetônico, cujo plano orientador segue ausente da historiografia da arquitetura. É para reverter esse quadro que as obras do Page vêm sendo inventariadas e analisadas pelo Grupo de Pesquisa em Arte e Arquitetura, Brasil: Diálogos na Cidade Moderna e Contemporânea (ARTARQBR) do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) da USP, liderado pelos professores Miguel Antonio Buzzar e Fabio Lopes de Souza Santos.

“O Page constitui uma lacuna historiográfica, quer em termos de planejamento de políticas públicas, quer em termos da produção do patrimônio arquitetônico”, comenta Buzzar, coordenador da pesquisa que deu origem à exposição. “A pesquisa resgata um momento muito rico, tanto do ponto de vista de uma política de governo quanto da importância para impulsionar a arquitetura moderna no Estado de São Paulo.”

O professor comenta que várias obras importantes da arquitetura moderna foram produzidas pelo Page, mas o vínculo com o plano acabou esquecido. Um bom exemplo disso está na própria Cidade Universitária da USP, em São Paulo. Até 1959, havia poucos prédios no campus e um dos objetivos do Page foi justamente adensar a Cidade Universitária. Fizeram parte do plano os projetos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design (FAU), do prédio de História e Geografia da atual Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da Reitoria e de alguns edifícios da Escola Politécnica (EP).

Para Buzzar, algumas hipóteses explicam essa lacuna historiográfica. Em primeiro lugar, existe um reforço das narrativas da arquitetura brasileira a partir da escola carioca, que diminui a importância paulista para o desenvolvimento da arquitetura moderna. Mas, além disso, fatores políticos podem entrar na equação.

Até 1963, a gestão Carvalho Pinto assumia um caráter progressista, fruto da identificação do Partido Democrata Cristão (PDC), ao qual era filiado, à doutrina “economia e humanismo”, do padre francês Louis-Joseph Lebret. Em linhas gerais, suas ideias propunham uma “terceira via” às políticas capitalistas e socialistas, aparentadas ao estado de bem-estar social. O PDC era influenciado pelas ideias do padre, buscando associar políticas públicas de infraestrutura e políticas públicas sociais.

Esse caminho, contudo, não prosperou em São Paulo. Nas eleições de 1963 foi eleito para o governo Ademar de Barros, que interrompe o Page. E, em seguida, com o golpe militar de 1964, o próprio Carvalho Pinto adotaria um papel mais conservador que, segundo Buzzar, pode ter influenciado negativamente na repercussão e legado de seu governo. “Uma combinação da historiografia arquitetônica com uma trajetória política acabou manchando essa produção e colocando-a aquém mesmo de um segundo plano”, analisa o professor.

O pequeno recorte que consta na exposição no Centro MariAntonia apresenta dez dessas realizações, por meio de maquetes e diagramas. Entre elas estão lá a FAU (Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi, 1961), o Fórum de Araras (Fábio Penteado, 1960), o Fórum de Avaré (Paulo Mendes da Rocha e João Eduardo de Gennaro, 1962), o Fórum de Amparo (Oswaldo Bratke, 1960), a Escola Estadual de Itanhaém (Artigas e Cascaldi, 1959), a Escola Estadual Conselheiro Crispiniano, em Guarulhos (Artigas e Cascaldi, 1960), a Escola Estadual Monsenhor Bicudo, em Marília (Salvador Candia, 1962), a Escola Estadual João Franco de Godoy, em Presidente Prudente (João Clodomiro de Abreu, 1962), e a Casa da Lavoura de Birigui (Eduardo de Mendonça, 1960).

A exposição Page: a Difusão da Arquitetura Moderna no Brasil fica em cartaz até 24 de agosto, de terça-feira a domingo, das 10 às 18 horas, no Centro MariAntonia da USP (Rua Maria Antonia, 294, Vila Buarque, próximo às estações Santa Cecília e Higienópolis-Mackenzie do metrô). Entrada grátis. Mais informações estão disponíveis no site do Centro MariAntonia

Texto: Luiz Prado
Arte: Simone Gomes

Jornal da USP

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