Apresentando saberes de comunidades negras do interior paulista, projeto de pós-doutorado é contemplado por prêmio da USP
A professora e pesquisadora do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) da USP, Joana D’Arc de Oliveira, foi contemplada com o projeto Memórias Negras, que mapeia e resgata saberes de comunidades negras do interior paulista. A premiação foi concedida no Congresso de Pós-Doutorandos da USP, que aconteceu na Universidade em outubro e selecionou projetos em oito áreas do conhecimento. “Para além do prêmio, é muito significativo, para mim, saber que a área de Ciências Sociais Aplicadas da USP pôde olhar para um trabalho que se baseia, principalmente, na oralidade e selecioná-lo como um projeto de excelência”, afirma a pesquisadora.
O projeto Memórias Negras é realizado desde 2010, coletando registros de territórios negros urbanos, localizados em municípios do interior paulista, como São Carlos. De acordo com Joana, trata-se das trajetórias e impressões que essa população vai deixando nos lugares. “As memórias dão conta da territorialidade e da experiência com a cidade que essas pessoas têm tanto no âmbito doméstico como no âmbito do espaço público”, explica.
A pesquisadora realiza entrevistas com a comunidade presente no local, mapeando seus acervos e fazendo um levantamento arquitetônico das casas e dos locais onde há uma relação identitária. “Existem bares, cinemas e ruas destinados aos encontros de pessoas negras, gerando uma apropriação do espaço. A partir dos relatos, nós podemos elaborar uma representação cartográfica desses deslocamentos”, afirma. Com a coleta das informações, Joana busca fazer uma leitura das cidades a partir de uma perspectiva afrocentrada.
Além da categoria de Ciências Sociais Aplicadas, em que Joana foi contemplada, o evento premiou pesquisadores das Ciências Agrárias; Ciências Biológicas; Ciências Exatas e da Terra; Ciências da Saúde; Engenharias; Ciências Humanas; Linguística, Letras e Artes. Cada pesquisador contemplado recebeu um diploma de premiação e um auxílio financeiro concedido ao Pós-Doc, no valor de R$ 20 mil.
Para a pesquisadora, a premiação vai além do congresso, pois mostra uma evolução da Universidade para pautas raciais. “A sociedade acadêmica na contemporaneidade, mas especificamente os alunos, está chegando com outros ensinamentos e abordagens. A adesão às cotas trouxe também outras possibilidades de conhecimento”, diz. “Eu acredito que agora não tem mais como voltar para trás. A Universidade se deu conta de que precisa da presença do povo preto dentro dela também”, complementa.
Memórias quilombolas
Apesar de não ter obtido informações sólidas sobre quilombos nos locais analisados, a pesquisa mostra que é possível associar as casas e os quintais negros do interior paulista como espaços de quilombos urbanos contemporâneos. “Com a análise do território, é possível entender as ações de resistência que foram elaboradas para que eles pudessem lidar com políticas de embranquecimento e silenciamento desses corpos e culturas vindas do Estado”, explica a pesquisadora.
Joana conta que, no começo do século 20, uma série de medidas foram tomadas nas cidades, visando a um projeto de modernização, que enfraquecia a cultura negra. “Houve, por exemplo, a demolição de cortiços, a proibição da prática da capoeira e de rezas negras, além de uma série de materiais que estão inseridos nessas atividades. Então, acontece um cerceamento do deslocamento desses corpos, que valoriza a cultura europeia e não expressa interesse algum em preservar esses saberes negros”, aponta.
As imagens a seguir foram coletadas durante o projeto Memórias Negras, com as famílias moradoras de São Carlos.
Texto: Camilly Rosaboni – Estagiária sob supervisão de Tabita Said e Antônio Carlos Quinto
Arte: Gabriela Varão – Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado
Por Jornal da USP