A busca por novos tipos de enxertos ósseos para aplicação na área médica é um desafio que motiva cientistas de todo mundo. Isso porque os materiais atualmente disponíveis para a função possuem algumas limitações, como alto custo, problemas de biocompatibilidade e, em alguns casos, também podem ser tóxicos para o organismo.
No Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP, a professora Bianca Chieregato Maniglia utiliza o amido, carboidrato presente na mandioca, batata, milho e em outros diversos alimentos, como alternativa para desenvolver um enxerto ósseo biocompatível, biodegradável, amplamente disponível e de baixo custo capaz de gerar benefícios tanto para a área ortopédica como odontológica. A ideia é que, no futuro, clínicas e hospitais possam utilizar uma impressora 3D para produzir próteses personalizadas para cada paciente, empregando um produto natural, seguro e eficaz para regeneração óssea de qualquer tipo de fratura que o nosso sistema imunológico não é capaz de reparar sozinho.
“Escolhemos trabalhar com o amido pois ele é uma fonte amplamente disponível em diversos lugares do mundo e possui propriedades interessantes do ponto de vista da biocompatibilidade. No entanto, algumas delas precisam ser aprimoradas para que possamos utilizá-lo de forma mais eficiente como enxerto ósseo e é isso que buscamos com as nossas pesquisas. Neste projeto, também estamos trabalhando com o uso da impressão 3D para a fabricação dos enxertos ósseos; trata-se de uma tecnologia inovadora que é capaz de personalizar os materiais tanto em geometria quanto em composição”, diz Bianca, que foi contratada recentemente pelo IQSC.
Embora ainda seja considerada a opção mais eficaz para o tratamento de perdas ósseas, o uso de autoenxertos (autógenos) é limitado devido à falta de disponibilidade de grandes quantidades de osso que precisa ser retirado de uma única parte do corpo para ser implantado em outra região. Outra desvantagem é que o procedimento requer uma segunda cirurgia, o que prolonga o tempo de recuperação e aumenta os riscos de infecções para o paciente, bem como os custos associados ao sistema público de saúde. Além disso, no caso de transplantes entre indivíduos ou espécies diferentes, há um alto risco de rejeição. Por isso, existe a necessidade de desenvolver novos tipos de enxertos ósseos para uso como implantes, buscando reduzir complicações, expandir as opções disponíveis e impulsionar a medicina regenerativa.
“Os enxertos ósseos sintéticos são predominantemente compostos por polímeros e cerâmicas. Hoje em dia, um exemplo de polímero que vem sendo comumente utilizado é o PMMA (polimetilmetacrilato). Embora ele seja capaz de fornecer uma estrutura sólida e resistente, sua permanência prolongada no organismo pode interferir na regeneração óssea adequada, aumentar o risco de infecções, causar reações alérgicas em alguns pacientes e atrapalhar procedimentos cirúrgicos futuros. Outro exemplo de polímero é o PCL (policaprolactona), um material sintético em estudo como enxerto ósseo. Suas principais desvantagens são que ele pode gerar inflamações, é relativamente frágil – podendo se romper ou rachar sob tensão -, além ser um material considerado caro. Já com o amido, nossa proposta é aproveitar uma matéria-prima abundante na natureza e dar um novo destino a ela, criando assim um enxerto ósseo a partir de um material mais barato, biocompatível e com absorção adequada para essa aplicação, de forma a não causar implicações ao paciente”, explica Bianca.
Desafios – Para ser considerado um bom substituto ósseo, o material precisa cumprir alguns requisitos mínimos, como alcançar propriedades mecânicas similares às do osso, além de ser capaz de estimular as reações bioquímicas necessárias para que o tecido se regenere. Por conta disso, a docente do IQSC estuda diferentes tipos de formulação do novo biomaterial em desenvolvimento para aprimorar seu desempenho e funcionalidades, além de garantir que ele possa ser processado via impressão 3D para assegurar a personalização desejada:
“Como o amido puro não está adequado para ser incorporado diretamente a um material que poderá ser empregado como enxerto ósseo, algumas mudanças na sua composição, bem como a adição de outros “ingredientes” são necessárias”, afirma Bianca, que atualmente possui um projeto de pesquisa na área dentro do Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
As adaptações químicas do amido puro que são estudadas pelo grupo da docente buscam, principalmente, melhorar sua processabilidade via impressão 3D visando obter a textura mais adequada, desacelerar sua biodegradação, já que ele é rapidamente absorvido, e controlar seu grau de inchamento. Todas essas modificações são realizadas no laboratório por meio de metodologias verdes, que não agridem o meio ambiente. Algumas das técnicas utilizadas pelos cientistas envolvem o uso de ozônio e de diferentes tipos de aquecimento.
Os biomateriais à base de amido em estudo no IQSC também possuem em sua composição água e hidroxiapatita modificada – mineral que tem papel importante na saúde óssea e auxilia na bioatividade e nas propriedades mecânicas do produto. Com a formulação, as células de construção do osso (osteoblastos) ganham maior poder de proliferação, enquanto os osteoclastos – células que atuam na absorção do osso danificado – desaceleram, dando tempo para que o biomaterial atue na regeneração do local machucado.
“Em alguns testes preliminares in vitro, nós colocamos nosso material em culturas de células ósseas para avaliar como seria essa interação. Conseguimos observar que nosso produto não é tóxico e também foi capaz de agir ativamente para ajudar na proliferação dessas células e, consequentemente, na formação de osso. Dois artigos com esses resultados já estão submetidos para publicação”, revela Bianca.
Todos os “ingredientes” que compõem o novo biomaterial em desenvolvimento na USP formam uma espécie de tinta, que posteriormente é colocada em uma impressora 3D. Por isso que, encontrar a melhor “receita” para desenvolver um novo enxerto não é o único desafio enfrentado pela equipe de Bianca, já que o objetivo é permitir que o biomaterial seja impresso de forma personalizada. Dessa forma, otimizar os parâmetros de funcionamento da impressora também é essencial.
“São muitas variáveis quando pensamos na utilização de uma impressora 3D. Precisamos definir, por exemplo, qual deve ser a velocidade do braço robótico, a vazão do biomaterial, a geometria do protótipo, o número de camadas, além de algumas etapas do pós-processamento do enxerto. Tudo isso, se não configurado adequadamente, pode interferir na qualidade e eficácia do produto”, explica a pesquisadora.
A produção do novo biomaterial via impressão 3D deve unir a já conhecida biocompatibilidade e propriedades mecânicas do amido com a bioatividade de biominerais. “Nossos estudos irão possibilitar futuramente expandir o uso do amido na produção de biomateriais personalizados e com propriedades únicas que, além de conferir valor agregado ao produto, permite seu uso nobre por beneficiar a saúde humana”, finaliza a docente.
Além de Bianca, que é a pesquisadora responsável pelo trabalho, integram a equipe do projeto Samile Bezerra de Aguiar, doutoranda do IQSC, Pedro Augusto Invernizzi Sponchiado, mestrando do Instituto, além dos professores Ana Paula Ramos e Pietro Ciancaglini, ambos da Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP.
Ficou interessado por essa linha de pesquisa e quer saber mais detalhes? Entre em contato com a professora Bianca através do e-mail: biancamaniglia@iqsc.usp.br e tire suas dúvidas.
Texto e fotos: Henrique Fontes, da Assessoria de Comunicação do IQSC/USP
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