Sediado no Instituto de Química de São Carlos da USP, novo Centro de Ciência para o Desenvolvimento da Fapesp vai pesquisar a saúde hidrossanitária em projeto inédito no País

Pesquisa vai analisar padrões invisíveis a olho nu no esgoto da cidade de São Carlos – Foto: Aleksandarlittlewolf/Freepik
Com duração de cinco anos e investimento de quase R$ 10 milhões, o novo Centro de Ciência para o Desenvolvimento (CCD) sediado no Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP pretende abrir caminho para novos modelos de monitoramento ambiental e gestão pública. As pesquisas vão integrar análises químicas, biológicas e inorgânicas a modelos de IA e aprendizado de máquina capazes de revelar padrões invisíveis a olho nu no esgoto da cidade de São Carlos, em São Paulo. Batizado de Centro de Ciência para o Desenvolvimento em Saúde Hidrossanitária e Qualidade de Vida (CCD-SHQV), o projeto foi contemplado no 4º edital do Programa CCD da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Coordenado pelo professor Emanuel Carrilho, do IQSC, o projeto será desenvolvido em parceria com o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de São Carlos. “Ser contemplado com esse projeto é uma grande responsabilidade. Estamos falando de um centro de destaque, com um trabalho de longo prazo e uma dimensão financeira e científica comparável a um grande projeto temático. Mas a responsabilidade aqui é ainda maior, porque não se trata apenas de um exercício acadêmico. É uma pesquisa aplicada, com um objetivo claro: compreender a natureza desse ambiente e transformar esse conhecimento em ações concretas para melhorar a qualidade de vida na cidade”, afirma o professor do IQSC.
O CCD-SHQV também contará com especialistas como a pesquisadora Débora Milori, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), responsável pela análise de metais e contaminantes inorgânicos; a professora Fernanda Aníbal, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), especialista em parasitologia e infectologia; e o professor André de Carvalho, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, que atuará no desenvolvimento e aplicação de modelos de inteligência artificial (IA) e aprendizado de máquina.
Os recursos serão destinados principalmente ao financiamento de bolsas de pesquisa, à aquisição de reagentes necessários para as análises e à compra de alguns equipamentos de pequeno porte que darão suporte às atividades laboratoriais.

Parte da equipe do novo Centro de Ciência para o Desenvolvimento. Da esquerda para a direita: Mikael Mendes, Leila de Carvalho, Emanuel Carrilho e Fernanda Aníbal – Foto: Divulgação/IQSC
Como o projeto vai funcionar
A proposta nasceu das lições deixadas pela pandemia de covid-19, quando o monitoramento do esgoto se mostrou uma ferramenta poderosa para prever surtos antes mesmo que fossem registrados pelas estatísticas oficiais. Essa experiência foi inspiração para o grupo de pesquisa Bioanalítica, Microfabricação e Separações (Biomics), coordenado pelo professor Emanuel.
Segundo o coordenador, as amostras serão coletadas semanalmente em diferentes pontos de São Carlos e georreferenciadas, permitindo associar cada dado aos bairros de origem. A partir dessas coletas, será possível identificar a presença de microrganismos, vírus, bactérias, parasitas, hormônios, pesticidas, metais pesados e resíduos de medicamentos. As informações obtidas serão cruzadas com indicadores de saúde, educação e renda, compondo um retrato inédito da relação entre o que circula pelos ralos da cidade e as condições de vida de seus habitantes.
“As ferramentas de inteligência artificial serão usadas para integrar e interpretar os grandes volumes de dados produzidos nas análises, reconhecendo padrões e correlações que indiquem alterações no ambiente urbano ou na saúde da população”, explica Carrilho. “Essa abordagem permitirá, por exemplo, detectar tendências de contaminação antes que elas se tornem perceptíveis, identificar anomalias e apoiar a tomada de decisões em políticas públicas”, complementa.
O pesquisador ressalta que a análise do esgoto pode revelar zonas de maior contaminação por metais pesados, resíduos farmacêuticos ou pesticidas agrícolas, além de indicar o uso de drogas de abuso em determinadas regiões. “Com essas informações, poderemos antecipar o surgimento de doenças (pandemias), localizar fontes de contaminação industrial e até reconhecer padrões de consumo de substâncias em diferentes áreas da cidade”, acrescenta.
Os dados obtidos serão compartilhados com o SAAE e poderão subsidiar ações preventivas de saúde, aprimorar o tratamento de água e esgoto e orientar o planejamento urbano com base em evidências científicas.
A proposta também prevê a participação ativa de estudantes de graduação e pós-graduação das instituições parceiras. “Será uma oportunidade ímpar de formação e de desenvolvimento de métodos analíticos aplicados a um problema real, com impacto direto na sociedade”, conclui Carrilho.
Uma das perspectivas é que, ao fim dos cinco anos, o sistema desenvolvido em São Carlos possa ser replicado em outras cidades do País ou adaptado por empresas especializadas para atender prefeituras.
Carrilho lembra que menos de 50% dos municípios brasileiros possuem tratamento adequado de esgoto, o que torna o projeto também um convite à reflexão sobre desigualdade ambiental e saúde pública. “Sem utopia não se vive”, comenta o professor, ao reconhecer que sonhar grande faz parte do papel da Universidade.
Texto: Gabriele Maciel, da Assessoria de Comunicação do IQSC
Por Jornal da USP



