Edital da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento concedeu bolsas de pós-doutorado a pesquisadores negros em diversas áreas de pesquisa; atuações vêm colaborando para uma ciência mais justa e robusta
Os dados do último Anuário Estatístico da USP revelam que, em um universo de mais de 5 mil professores, somente 123 se autodeclaram pretos, pardos ou indígenas. Muito tem se falado sobre os problemas que essa falta de diversidade traz à Universidade: currículos eurocêntricos, referências com as quais os estudantes não conseguem se identificar, casos de racismo, potenciais perguntas de pesquisa que nunca chegam aos laboratórios porque estão distantes das experiências de quem está do lado de dentro. Além da reprodução de uma enorme injustiça histórica contra mais da metade da população brasileira.
Diante dessas questões, neste ano a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) da USP lançou um edital de bolsas de pós-doutorado voltado especificamente para pessoas negras. O objetivo deste edital foi apoiar doutores negros em suas carreiras acadêmicas, para que possam disputar de forma mais competitiva as vagas de docentes em concursos da USP e de outras universidades públicas. “O Programa foi idealizado como um espaço para melhorar o currículo, construir novas pontes e redes de pesquisa, possibilitar um melhor enquadramento na carreira. Bons programas de pós-doutoramento fazem isto”, explicou o professor Rogério Monteiro, que lidera a diretoria de Mulheres, Relações Étnico-Raciais e Diversidades da PRIP.
Foram selecionados 50 pesquisadores de todas as grandes áreas do conhecimento. Ao longo dos próximos meses, o Jornal da USP vai apresentar os doutores negros que atualmente desenvolvem suas pesquisas na USP. Nesta matéria, começamos com cinco: a advogada Marli Aparecida Sampaio, o especialista em radioproteção Max da Silva Ferreira, o físico Bruno Leonardo do Nascimento-Dias, o biólogo Adriano Silva dos Santos e a farmacêutica Michelle Barão de Aguiar.

Áreas de pesquisa dos doutores selecionados. Apesar de maioria nas ciências da saúde, pesquisadores negros estão distribuídos em todas as áreas do conhecimento – Gráfico: Elaborada por Silvana Salles
Em meio às exigências acadêmicas, Michelle ainda precisou cuidar das demandas familiares. Ela iniciou seu doutorado grávida de oito meses e distante do suporte de seus familiares do Rio de Janeiro. “Eu precisava trocar com o meu marido para nós deixarmos o bebê na escola. Era uma dinâmica difícil e, por isso, a bolsa é importante. Ela nos ajuda a ter uma estrutura familiar mínima possível”, conta Michelle, ressaltando a flexibilidade de horários que a prática de pesquisa permite ter.
Após terminar seu doutorado, Michelle teve outra filha e, após seis anos longe das pesquisas acadêmicas, comenta sobre a dificuldade das mulheres atrelarem os dois momentos de dedicação. “Nós temos menos mulheres em cargos mais altos dentro da universidade. Isso está atrelado com o trabalho reprodutivo que a mulher desempenha”, lamenta a pesquisadora.
O tema de pós-doutorado escolhido por Michelle advém de uma análise pessoal de poucos estudos na área de fotoproteção para peles negras. A pesquisadora ressalta a importância dessa discussão uma vez que o Brasil é um país com muita incidência solar, cuja população é majoritariamente negra. “O Sol tem um impacto grande na saúde da população, e nós não temos dados robustos para dizer quais os malefícios que a radiação provoca nesse grupo que é a maioria da população brasileira”, explica Michelle.
A pesquisadora acredita que seu estudo possa respaldar políticas públicas de acesso ao protetor solar. “Hoje em dia, ele ainda é um produto muito caro para a maioria da população, então poderíamos demandar que protetores solares também fossem distribuídos em UBSs ou pontos de saúde. Então não é só uma questão estética”, afirma Michelle.
Como pesquisadora, mulher negra, mãe de duas crianças, sendo que uma delas foi diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista, Michelle destaca a importância de se ter diversidade na academia. “As pessoas que fazem ciência são pessoas. Quem faz pesquisa traz sua história de vida. Então nós não termos muitos resultados sobre a pele negra traz a ideia de que quem está pesquisando não acha isso importante. A PRIP vem para trazer a diversidade que nós encontramos na sociedade”, afirma ela.
Texto: Silvana Salles e Camilly Rosaboni – Estagiária sob supervisão de Tabita Said
Arte: Carolina Borin – Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado
Por Jornal da USP