Novo sensor detecta paraquat e carbendazim em menos de 70 segundos – Tecnologia identifica contaminação de agrotóxicos em urina de trabalhadores rurais

Pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos, da Universidade de São Paulo (IFSC/USP), em colaboração com o Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IQ-UFRJ) e o Hospital de Câncer de Barretos (Hospital de Amor), desenvolveram um novo sensor capaz de detectar a presença dos defensivos agrícolas paraquat e carbendazim, ainda utilizados, apesar de proibidos, em menos de 70 segundos.

O pesquisador Thiago S. Martins, do IFSC/USP e atualmente na Imperial College London, é o autor principal do artigo recentemente publicado na revista científica “Chemical Engineering Journal”. Ele destaca que a importância do desenvolvimento deste sensor, que utiliza uma técnica eletroquímica, reside na capacidade de monitorar rapidamente e com precisão a exposição dos trabalhadores rurais a esses agrotóxicos. Portátil e de fácil utilização, o sensor pode ser usado pelos próprios trabalhadores em seus locais de trabalho ou em suas residências, bastando coletar um pequeno volume de urina e obter o resultado em aproximadamente setenta segundos.

Para a equipe de pesquisadores, a detecção de pesticidas em águas e fluidos corporais é crucial para proteger o meio ambiente e a saúde humana, especialmente nas zonas rurais onde ocorre a aplicação dos defensivos agrícolas.

Esta pesquisa envolveu a participação de 9 trabalhadores rurais da região de Barretos, com idades entre 18 e 65 anos e incluiu a criação de tiras impressas contendo um nanomaterial orgânico denominado “RIO 17” (Reticular Innovative Organic Framework 17), desenvolvido no IQ-UFRJ. Utilizando um método eletroquímico, o sensor pode detectar os dois agrotóxicos no corpo humano com apenas 100 microlitros de urina, bem como na água e em outras amostras, se necessário.

Pesquisador Thiago S. Martins (foto arquivo pessoal)

Thiago S. Martins enfatiza a importância desta pesquisa, que revelou que todos os nove trabalhadores rurais testaram positivo para pelo menos um pesticida. “Isso é extremamente preocupante, pois não há nível seguro de exposição a esses químicos. Nossa pesquisa evidencia a necessidade de desenvolver soluções acessíveis para monitorar a exposição dos trabalhadores rurais aos agrotóxicos durante a pulverização. Atualmente, não existem tecnologias viáveis para realizar esse monitoramento in loco e garantir a proteção da saúde desses trabalhadores,” afirma o pesquisador.

Como tudo começou

Esta pesquisa, que se estendeu por mais de cinco meses, teve início com uma colaboração entre o IFSC/USP, o IQ-UFRJ e o Hospital do Amor, sendo que este último já desenvolvia um projeto destinado a monitorar os níveis de pesticidas em trabalhadores rurais, suas famílias e nas águas circundantes. “O hospital usava métodos cromatográficos e espectroscópicos para detectar os pesticidas individualmente. Ao saber que desenvolvíamos dispositivos miniaturizados, a parceria foi rapidamente estabelecida. O IQ-UFRJ então contribuiu com o nanomaterial para as tiras sensores e assim foi criado um dispositivo semelhante a um glicosímetro, que não exige tratamento ou diluição das amostras. Com apenas 100 microlitros, o resultado é obtido em cerca de setenta segundos.” explica Thiago S. Martins.

A importância do IQ/UFRJ nesta pesquisa

Foi fundamental para o sucesso desta pesquisa a participação do docente e pesquisador do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IQ/UFRJ), Prof. Pierre Mothé Esteves, co-autor do artigo científico já mencionado nesta matéria. O Prof. Pierre possui Graduação em Química (1994) e doutorado (1999) em Química Orgânica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com período Sandwich na Universidade de Estrasburgo (1998), Pós-Doutoramento em Química de Hidrocarbonetos e Petróleo pelo Loker Hydrocarbon Research Institute da University of Southern California (USC, 2000-2001).

Prof. Dr. Pierre Mothé Esteves (foto arquivo pessoal)

A formação do pesquisador é na área de Química, com ênfase em Físico-Química Orgânica, atuando principalmente nos seguintes temas: nanociência, nanotecnologia, química reticular, materiais porosos, carbocátion, hidrocarboneto, superacido, carbônio, substituição eletrofílica aromática, hidratos de gás natural e garantia de escoamento.

A colaboração para esta pesquisa começou de forma furtuita, através de uma conversa e convite feito pelo atual diretor do IFSC/USP, Prof. Osvaldo Novais de Oliveira Junior. Ao estudar as demandas desta pesquisa, o Prof. Pierre e seu grupo acabaram por construir um novo material nanoestruturado equivalente a um engradado molecular. “Conseguimos construir esse engradado, extremamente poroso, feito de carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio, constituído por poros bastante seletivos, o que aumenta muito a sensibilidade. Entreguei uma amostra desse material ao IFSC/USP com a finalidade de testar o sensor que estava sendo proposto. Esse material tem uma grande afinidade para detectar pesticidas e afins, já que ele absorve coisas que estão muito diluídas, devido à sua grande área específica e organofilicidade. Por exemplo, proteínas não passam pelos poros, apenas pequenas moléculas, como as que se encontram nos pesticidas. Considero este novo material como se fosse uma grande “esponja seletiva”, pontua o pesquisador.

O pesquisador considera uma agradável surpresa saber que esse material desenvolvido por seu grupo foi um sucesso nesta pesquisa. Atendendo às inúmeras denominações registradas na International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC), o grupo do Prof. Pierre Esteves decidiu batizar este novo material de “Reticular Innovate Organic From Work 17” (RIO-17). “Fiquei extremamente feliz, pois descobrimos um material com nanoporos que tem um potencial enorme de aplicações e que se destina perfeitamente à finalidade desta pesquisa, dentro da classe de materiais porosos orgânicos. O Brasil é o grande celeiro do mundo e talvez essa seja a razão por se utilizar tanto defensivo agrícola. Há quem diga que no Brasil já não existe agricultura orgânica, de tanto agrotóxico que é utilizado. Por cada metro quadrado de agricultura existem em torno de 10 miligramas de pesticidas e eles são dispersos pelo vento, se entranham na terra, entram nos lençóis freáticos, etc., e por isso não são demais todos os esforços que possam ser feitos para detectá-los”, pontua o pesquisador.

Para o pesquisador da UFRJ, este sensor, dedicado aos agrotóxicos paraquat e carbendazin, abre portas para que, no futuro, se possa ter a esperança de ser possível detectar outros tipos de agrotóxicos, já que “temos a capacidade para desenhar não só o formato, quanto o tamanho desse “engradado molecular”, tal como fizemos para utilizar nesta pesquisa. Somos uma espécie de alfaiates moleculares”, finaliza o pesquisador.

 

A parceria com o Hospital do Amor

Dr. Henrique Santejo Silveira (foto arquivo pessoal)

O Dr. Henrique Santejo Silveira é igualmente um dos co-autores do artigo científico publicado na revista “Chemical Engineering Journal”. Pesquisador no Centro de Pesquisa em Oncologia Molecular do Hospital de Câncer de Barretos (Hospital do Amor), ele é docente da Pós-Graduação em Oncologia do Instituto de Ensino e Pesquisa também no Hospital de Câncer de Barretos, e tem experiência em Genética e Biologia Molecular e Prevenção de Câncer, atuando principalmente nos seguintes temas: populações expostas ocupacionalmente, câncer relacionado ao trabalho, interações genes e ambiente e sua influência na carcinogênese, resposta ao estresse ambiental e saúde ambiental.

O Hospital do Câncer de Barretos já mantém uma profícua parceria com o IFSC/USP em diversas áreas. Assim, a contribuição com o fornecimento de amostras de urina oriundo de um grupo de trabalhadores rurais que foram estocadas no Biobanco do Hospital do Câncer de Barretos foi essencial para os testes do sensor. “Estas amostras derivam de um projeto de coorte (RUCAN study) que reunirá cerca de 2.200 trabalhadores rurais daquela região e cujo objetivo é acompanhar, ao longo do tempo, a incidência de diversas doenças causadas pela exposição aos agrotóxicos, incluindo o câncer e doenças neurológicas, sublinha o pesquisador. O Dr. Henrique Silveira salienta, ainda, que uma eventual evolução deste sensor poderá ser utilizada com mais eficácia e rapidez na prevenção e vigilância da saúde dos trabalhadores rurais, principalmente nas intoxicações causadas por agrotóxicos. “O -paraquat e o carbendazim são muito utilizados aqui na região e não só. Até para o próprio Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST), que tem inúmeras unidades dispersas pelo país, seria fantástico poder utilizar este sensor na vigilância do trabalhador rural”, pontua o pesquisador.

O pesquisador Thiago S. Martins ressalta: “É crucial evitar a aplicação de químicos proibidos e assegurar a utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) apropriados durante a pulverização de agrotóxicos”, finaliza.

Para conferir o artigo científico, clique (AQUI).

Por Rui Sintra & Adão Geraldo – Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

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