USP investe na transição energética para um futuro mais sustentável

Universidade amplia geração própria de energia solar e adere ao mercado livre, buscando reduzir custos e impacto ambiental em seus campi, além de beneficiar pesquisas relacionadas ao tema

Quando se trata dos campi da USP, certas transformações são visíveis e mudam completamente o cenário para a comunidade que circula pelos prédios e espaços comuns. Em março, uma série especial publicada no Jornal da USP destacou algumas dessas ações.

Outras mudanças, porém, nem sempre são perceptíveis tão facilmente, mesmo quando representam grandes impactos. É o caso da energia elétrica consumida pela Universidade, um insumo essencial para inúmeras atividades e sem o qual pouca coisa avança. No entanto, quem acende uma luz, utiliza um elevador ou liga um computador ou qualquer equipamento eletrônico, não costuma saber qual é a origem daquela energia.

No Brasil, a maior parte dos consumidores ainda utiliza energia proveniente de usinas hidrelétricas fornecida pela concessionária local da cidade. Mas existem opções que oferecem vantagens importantes, tanto em termos de impacto ambiental como também de custos, ainda mais para um grande consumidor como a USP.

É por isso que a Universidade está apostando na transição energética como um dos pilares do programa USP Sustentável. Dois grupos de trabalho vêm se dedicando especialmente ao tema da origem da energia consumida nos campi.

Em 1998, o Jornal da USP registrou os primeiros passos da Universidade para o uso da energia fotovoltaica. O cenário evoluiu consideravelmente até os dias de hoje (clique na imagem para ver em tamanho maior)

Um desses grupos, denominado Geração de Energia, é coordenado pelo professor do Instituto de Energia e Ambiente (IEE), Roberto Zilles, e voltado à produção de energia fotovoltaica, que é o fornecimento de eletricidade por meio da conversão direta da radiação solar. O especialista vem trabalhando no tema há anos.  Já em 1998, o Jornal da USP trazia uma reportagem detalhando o funcionamento do sistema e sua implantação pioneira na USP.

“Foi naquele ano que foi instalado o primeiro subsistema de energia solar fotovoltaica ligado à rede. A iniciativa foi realizada no contexto de um projeto da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Naquela época, havia diversas dificuldades técnicas, pois os equipamentos eram importados e caros. Além disso, não havia normatização nem mão de obra especializada disponível. Com o passar dos anos, tivemos uma queda que chega a 80% no custo dos módulos, agora amplamente disponíveis com tecnologia nacional robusta e eficiente. Essa queda de custo é crucial para que o barateamento da energia gerada por esses sistemas seja realmente significativo. Hoje, no campus da Cidade Universitária, temos 13 sistemas, que formam um conjunto operando uma potência total de 1,15 MW, que atende a 2% do consumo total do campus”, comenta Zilles.

O professor faz um retrospecto: “A drástica redução nos custos de instalação, a maturação das regulamentações e o aumento dos incentivos governamentais tornaram a energia fotovoltaica uma alternativa consolidada e estrategicamente importante. Os benefícios esperados, como maior eficiência na geração descentralizada e sustentabilidade ambiental, se concretizaram, impulsionando a expansão da produção de eletricidade com sistemas fotovoltaicos no Brasil”.

Vista do sistema solar fotovoltaico instalado no edifício do Departamento de Elétrica da Escola Politécnica – Foto: Divulgação

Vista do sistema solar fotovoltaico instalado no Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina – Foto: Divulgação

Vista do estacionamento (carport) solar fotovoltaico instalado na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), no campus USP Leste – Foto: Divulgação

Vista do estacionamento (carport) solar fotovoltaico instalado na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), no campus USP Leste – Foto: Divulgação

Vista do sistema solar instalado na frente do edifício ICB IV, do Instituto de Ciências Biomédicas – Foto: Divulgação

Vista do sistema solar instalado na Raia da USP, próximo a saída da Portaria.

Sistema solar instalado na frente do edifício ICB IV, do Instituto de Ciências Biomédicas – Foto: Divulgação

Roberto Zilles – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Ele exemplifica o que significam essas quantidades de energia em termos mais concretos do dia a dia dos consumidores: “Os sistemas instalados na Cidade Universitária totalizam a potência de 1,15 MW e têm produção anual entre 1.600 e 1.800 MWh. Já o consumo residencial médio é de 250 kWh/mês, ou seja, 3 MWh/ano. Desta forma, a nossa produção poderia atender a uma média de 530 a 600 domicílios. Do ponto de vista financeiro, essa quantidade de energia representa uma economia anual de cerca de R$ 600 mil”.

A escolha da estrutura ideal para a instalação de placas fotovoltaicas depende de fatores como espaço disponível, custo, estética e eficiência energética.

As opções mais comuns incluem sistemas sobre telhados, indicados para edifícios com boa orientação solar; estruturas no solo, ideais para áreas amplas e de fácil acesso; carports, que combinam geração de energia e cobertura para veículos; sistemas flutuantes, voltados para grandes projetos em corpos d’água; e soluções arquitetônicas integradas, como fachadas com painéis, utilizadas em edifícios modernos. A decisão deve considerar o melhor aproveitamento da área, o retorno sobre o investimento e as características específicas do local. No caso da USP, a maior parte das instalações tem sido concentrada em usinas de solo, carports e instalações nas coberturas.

Na Cidade Universitária, já há unidades com mais de 20% de energia proveniente dos sistemas fotovoltaicos:

 

Quanto a USP produz de energia e quanto ela economiza?

No campus USP Leste, está praticamente concluído um sistema montado em cobertura de estacionamento, com potência de 369 kW, que deve entrar em operação em breve. Também estão em andamento instalações nos campi de Ribeirão Preto, Pirassununga e Piracicaba, com previsão de conclusão até o início do segundo semestre.

Já no campus de São Carlos, o projeto está sendo gerenciado pelo Departamento de Engenharia Elétrica e Computação da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), com o objetivo de suprir 2,1 MW, o que equivale a 20% da energia consumida no campus. O coordenador da ação, Elmer Pablo Tito Cari, prevê a licitação já para os próximos dias. “O projeto foi realizado em várias fases, iniciando-se pela análise de consumo de energia do campus, seguido pela seleção dos prédios com potencial para instalação. Esta seleção ocorreu a partir de imagens aéreas, visita técnica e análise estrutural dos locais selecionados. Em seguida, nossa equipe elaborou o memorial descritivo e de impactos no meio ambiente. O campus USP São Carlos é composto por duas áreas: Áreas I e II. A primeira tem quatro diferentes unidades consumidoras, que são as conexões com a rede de distribuição de energia elétrica, e, portanto, quatro diferentes contas de energia elétrica. Já a segunda área é composta de apenas uma unidade consumidora”, explica.

Vista da usina solar fotovoltaica em implementação no campus de Pirassununga – Foto: Divulgação

Vista do estacionamento (carport) solar fotovoltaico em implementação no campus Fernando Costa, em Pirassununga – Foto: Divulgação

Detalhe do local de instalação da usina solar fotovoltaica no campus Luiz de Queiroz, em Piracicaba – Foto: Divulgação

Estacionamento (carport) solar fotovoltaico em implantação no campus de Ribeirão Preto – Foto: Divulgação

Vista do sistema Agrivoltaico em implementação no campus Luiz de Queiroz, em Piracicaba – Foto: Divulgação

 

O reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior sintetiza os múltiplos aspectos envolvidos nesta iniciativa: “A Universidade de São Paulo entende que seu papel na sociedade vai muito além da geração de conhecimento: é também nossa responsabilidade garantir sua transferência e o amplo acesso pela sociedade e organizações. Os projetos de energia solar fotovoltaica que estamos desenvolvendo expressam esse compromisso institucional com a inovação, com a promoção da qualidade de vida e do bem-estar, e com a construção de soluções que contribuam diretamente para o desenvolvimento social, ambiental e econômico do país. Ao investir em uma matriz energética mais limpa e eficiente, a USP não apenas fortalece sua missão de formar profissionais e produzir ciência de ponta, mas também atua como agente ativo na formulação de políticas públicas de sustentabilidade e de qualidade do gasto público. A transição energética da Universidade é, portanto, um passo estratégico e exemplar rumo a um futuro mais justo, responsável e sustentável”, aponta.

Faceta administrativa

As complexidades de um projeto como este extrapolam os aspectos técnicos, já que envolve também uma série de contratações cuja condução exige cuidados legais e a observação de diversos detalhes para que seja bem sucedida. Para viabilizar a implantação de seus sistemas fotovoltaicos, a USP adotou um modelo de contratação estruturado em duas etapas: a elaboração do projeto executivo e, em seguida, o fornecimento e a instalação dos equipamentos. A estratégia foi desenvolvida pelo Departamento de Administração (DA), que propôs um modelo integrado, combinando a prestação de serviços e o fornecimento de infraestrutura em um único edital, buscando maior agilidade e alinhamento entre o que foi contratado e o que era esperado, exigindo a apresentação simultânea do projeto executivo e da execução da obra.

Amaury Rezende – Foto: Arquivo pessoal

Amaury José Rezende, diretor geral do DA, explica que “o grande desafio nesta modelagem foi a realização de um Pregão Eletrônico, com características que, além de atender à legislação mais atual, contou com abordagem que permitiu a integração entre o desenvolvimento do projeto executivo e a execução do objeto contratado, gerando ganhos significativos em termos de celeridade, modernização das soluções técnicas e maior aproveitamento das competências do setor privado. Além disso, a iniciativa contribuiu para a mitigação de riscos contratuais e financeiros, ao transferir ao contratado parte da responsabilidade sobre a concepção técnica detalhada do projeto. Contribuiu também para a eliminação ou redução significativa da incidência de aditivos e conflitos de interpretação, melhorando o controle e a previsibilidade da execução. Assim, adotamos este modelo como padrão para contratações similares, combinando a prestação de serviços e o fornecimento de infraestrutura em um único documento”.

O resultado, comenta, é um processo mais assertivo e com menos paralizações ou retrocessos, como é comum em contratações públicas: “Essa forma de trabalhar permitiu uma execução mais eficiente e coordenada, apoiada pela equipe do DA, de modo que foi possível reduzir distorções entre o projeto idealizado e o resultado entregue, garantindo tanto a eficiência da execução quanto a qualidade técnica do empreendimento”.

O diretor ressalta ainda o caráter integrado dos processos envolvidos nas contratações: “Neste processo, a equipe técnica elaborou o projeto base, que incluiu a definição do local de instalação, a avaliação da estrutura existente, a indicação dos padrões da ABNT e a especificação dos materiais, além de acompanhar as visitas técnicas realizadas pelas empresas contratadas, responsáveis pela elaboração dos projetos executivos. O projeto abrange diversos campi. No interior, a implementação física tem sido conduzida pelas equipes de licitação e engenharia das Prefeituras após o desenvolvimento dos artefatos e modelos para a realização das licitações coordenado pela equipe de Licitações do DA, o que fortaleceu a capacidade da universidade de integrar soluções inovadoras para um futuro mais sustentável”, comenta.

Ele destaca que os resultados econômicos e demais benefícios dos projetos de energia solar fotovoltaica na USP já podem ser visualizados concretamente: “Em termos de custos operacionais, a potência total gerada representa até 35% do consumo mensal das unidades, e a economia média anual com energia elétrica já chega a quase dois milhões de reais, contribuindo para a realocação de recursos em outras áreas acadêmicas e de pesquisa”.

“Em aproximadamente quatro anos, todos os investimentos realizados pela Universidade na área de energia solar fotovoltaica deverão estar integralmente compensados, atingindo o chamado payback, um indicador financeiro que mede o tempo necessário para que um investimento se pague, com a recuperação do capital investido. Mais do que uma vantagem financeira, os ganhos ambientais são expressivos: promovem a conscientização sobre o uso responsável de fontes renováveis, contribuem para a redução das emissões de carbono e fortalecem a autonomia energética da instituição ao diminuir a dependência de fontes não renováveis”, comemora.

Pesquisa científica

Os primeiros passos, nos anos 1990, tiveram como objetivo não apenas testar a viabilidade técnica dos sistemas fotovoltaicos, mas também formar recursos humanos capacitados e gerar conhecimento científico essencial para o desenvolvimento tecnológico, e esse é um aspecto que permanece até os dias de hoje. Além da produção de energia, esses subsistemas vêm contribuindo com estudos científicos.

Os projetos funcionam como um laboratório vivo, em que alunos e pesquisadores podem desenvolver atividades relacionadas à energia solar, promovendo a formação em competências ambientais e de energia. Uma boa parte dos sistemas foi instalada com recursos de projetos de pesquisa que contribuíram para o desenvolvimento das aplicações da energia solar fotovoltaica no Brasil, e os nossos primeiros sistemas tiveram importante contribuição no estabelecimento da regulação da micro e da minigeração fotovoltaica no País.

Um dos focos dessas pesquisas está relacionado aos desafios impostos pelo material necessário nos sistemas. As primeiras placas de energia fotovoltaica utilizavam principalmente silício monocristalino, conhecido por sua alta eficiência, mas também por seu alto custo de produção. Com o avanço da tecnologia, surgiram alternativas como o silício policristalino, mais barato e de fabricação mais simples, embora com menor eficiência. Atualmente, o silício ainda domina o mercado, sendo o material mais amplamente utilizado devido ao seu bom equilíbrio entre custo e desempenho.

Hoje em dia, no entanto, pesquisas vêm investigando novas possibilidades de obtenção de energia a partir da luz solar com outros materiais, como um estudo, recentemente divulgado pelo Jornal da USP, sobre o uso da perovskita, um mineral descoberto em 1839 na Rússia (leia aqui).

Ao mesmo tempo, o IEE vem desenvolvendo projeto de pesquisa junto ao CNPq para a o desenvolvimento de módulos e geradores fotovoltaicos bifaciais, visando criar bases para a consolidação da tecnologia no mercado. Outro projeto de pesquisa, chamado de Agri-PV System, vem sendo realizado pelo IEE em parceria com a Total Energies, o Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI, na sigla em inglês) e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) visando à integração da geração de energia solar com a produção de alimentos em uma mesma área, como estratégia de uso sustentável da terra e adaptação às mudanças climáticas. A iniciativa busca promover a transição energética no Brasil ao combinar painéis fotovoltaicos com cultivos agrícolas, contribuindo para a intensificação sustentável e climática da produção rural.

Mercado livre

Outro grupo de trabalho que integra o programa USP Sustentável está voltado ao chamado mercado livre de energia.

“Em termos de funcionamento, o mercado de energia brasileiro divide-se em dois. O mais conhecido e tradicional, utilizado pelas pessoas físicas, é o mercado regulado, no qual os consumidores só podem comprar energia elétrica da distribuidora que atua em sua região, como a Enel, no caso de São Paulo. Já no mercado livre, o consumidor tem a liberdade de escolher de quem irá comprar energia, bem como as fontes, ou seja, ele pode escolher se deseja comprar apenas energia limpa, por exemplo, oriunda de produções eólica, solar ou hídrica, e até contratar fontes renováveis certificadas. No mercado regulado, há o consumo de um mix de diversas fontes, sem que se saiba qual a procedência da energia consumida”, explica a coordenadora do grupo de trabalho, Mara Jane Contrera Malacrida.

Mara Jane Contrera Malacrida – Foto: Arquivo pessoal

Ela reforça a vantagem econômica trazida pelo sistema: “Além de a USP poder optar por fontes renováveis de energia, haverá economia na conta de luz porque, no mercado regulado, a conta é baseada em tarifas reguladas e aplicação das bandeiras tarifárias de acordo com a disponibilidade de energia e as condições climáticas. No mercado livre, por sua vez, não há a aplicação das bandeiras e os preços são negociados entre as partes. Assim, o valor acordado fica fixo pelo tempo do contrato, o que permite ao consumidor maior planejamento e previsibilidade dos custos com energia. Em momentos em que o preço de energia está mais elevado, o consumidor pode optar por contratos de menor duração, já em momentos em que o preço está em patamares menores, é possível a contratação por períodos maiores”, comenta.

Atualmente, a migração para este sistema está em um estágio bastante avançado. A primeira etapa a ser superada foi a readequação das instalações da subestação de energia elétrica do campus da capital para alterar a medição de alta para média tensão, além de ajustes realizados pela Enel após um acordo firmado com a empresa em 2024. Em seguida, foi necessário que a equipe da Universidade realizasse um estudo técnico dos volumes de consumo e compras de energia, análise que visa mapear e entender os padrões de consumo energético da USP para que fosse possível traçar estratégias mais eficazes para a compra de energia de forma competitiva no mercado livre, além de potencializar a utilização de fontes renováveis.

A transição para o mercado livre tem potencial de gerar uma economia anual estimada entre 20% e 25% sobre o consumo de energia elétrica da USP, equivalente a cerca de R$ 8 milhões. Com um investimento de R$ 4,1 milhões, o retorno financeiro será alcançado em menos de um ano, representando um avanço significativo na gestão energética da Universidade.

Como a luz solar é transformada em energia elétrica

*domicílio padrão com quatro pessoas e um consumo mensal de 250 kWh/mês

 

Texto: Michel Sitnik
Arte: Jornal da USP
Infografias: Larissa Fernandes

Por Jornal da USP

VEJA TAMBÉM ...